Etapa inicial para construção do Programa prevê a aplicação de formulário para compreender as principais necessidades das mulheres atingidas
No dia 21 de agosto, mulheres dos territórios atingidos pela barragem de Fundão na Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba, reuniram-se com representantes das Instituições de Justiça e do governo federal para dialogar sobre a construção do Programa para Mulheres, fundo previsto no Acordo de Repactuação destinado à reparação das violações e danos específicos causados às mulheres atingidas no processo de reparação.
Estiveram presentes cerca de 250 pessoas, entre mulheres atingida; membros das equipes das Assessorias Técnicas Independentes, e representantes das Instituições de Justiça, que são as responsáveis pela construção e andamento do Programa, são eles: Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público do Espírito Santo, Ministério Público Federal, Defensoria Pública do Espírito Santo e Defensoria Pública da União; além de representantes do governo federal, por meio da Casa Civil, da Secretaria da Presidência da República e do Ministério das Mulheres.

Apresentação do Programa
Durante a reunião, as Instituições de Justiça apresentaram as propostas iniciais do Programa para Mulheres e os desafios de sua construção. Informaram, ainda, que o objetivo do encontro era repassar informações seguras sobre o que vem sendo discutido a respeito do Programa, além de ouvir as mulheres atingidas e construir conjuntamente as estratégias para investimento dos recursos.
“É um programa inédito, mas que vai trazer vários desafios para que a gente consiga construir uma proposta de execução que traga o mais próximo de uma reparação justa. Então esse é o nosso objetivo, informar e construir”, afirmou a Dra. Mariana Sobral, da Defensoria Pública do estado do Espírito Santo.
Durante a reunião, a defensora pública elencou três desafios:
- A quantidade de mulheres atingidas. De acordo com dados estimados e fornecidos às IJs pela Samarco, estão sendo considerados os seguintes números:
- 151.749 mulheres celebraram algum tipo de acordo no processo de reparação;
- 46.298 mulheres cadastradas como dependentes nas fases 1 ou 2 do cadastro não foram indenizadas individualmente;
- 71.734 mulheres cadastradas como dependentes nas fases 1 ou 2 do cadastro, indenizadas individualmente apenas pelo PID;
2. O valor total de 1 bilhão de reais destinado ao Programa é considerado insuficiente para a quantidade de mulheres atingidas em toda a Bacia;
3. O repasse do recurso será realizado em etapas. 82% do valor (820 milhões de reais) será investido em sete parcelas até 2030, enquanto os outros 18% serão investidos até 2036.
Diante dos desafios pontuados, Dra. Shirley Oliveira, do Ministério Público de Minas Gerais e coordenadora adjunta do Núcleo de Acompanhamento de Reparações por Desastres (Nucard), comentou sobre a expectativa em encontrarem “um caminho que possa fazer frente a esse processo de reparação, que é um processo em que existiram muitas discriminações às mulheres”.
Ela apresentou, também, as etapas que as Instituições de Justiça planejaram para a execução do Programa. São elas:
- Etapa 1: Instituições de Justiça, com apoio das ATIs, realizarão consulta às mulheres atingidas, por meio da aplicação de formulário, para definição das premissas do Programa;
- Etapa 2: Uma entidade técnica de apoio será responsável pela elaboração dos cenários financeiros. Nesta etapa também haverá a verificação dos Bancos de dados e a realização de um novo momento de escuta das mulheres atingidas;
- Etapa 3: A entidade gestora ficará a cargo da execução do Programa para Mulheres.
Para a primeira etapa, a previsão destacada pelas IJs é que o período de consulta às mulheres atingidas possa ocorrer entre 01/09/2025 e 15/10/2025. As ATIs ficarão responsáveis pela consolidação dos resultados por território e pelo preenchimento dos formulários no Google Forms, com base nas decisões coletivas tomadas no âmbito das Comissões Locais Territoriais.
Expectativas das mulheres atingidas
Após apresentações sobre o Programa, as mulheres atingidas puderam apresentar suas dúvidas e proposições. Entre as questões apresentadas, estão: a manutenção de uma postura excludente nas medidas indenizatórias do Acordo de Repactuação, por considerar as mulheres inseridas na condição de dependentes dos maridos na fase cadastral como indenizadas; o longo prazo para que os recursos sejam repassados; o sentimento de que as mulheres não foram ouvidas no processo de construção do Acordo; questionamentos sobre os documentos que serão necessários para acessar os recursos do Programa para Mulheres.
Elas também questionaram se o Programa atenderá mulheres que já foram indenizadas; se o formulário aplicado será suficiente para compreender as demandas das mulheres e para decidir como o dinheiro do fundo será distribuído; e solicitaram a realização de reuniões presenciais, para facilitar a escuta e o acesso daquelas que não possuem internet.
Além disso, Juventina Avelina, moradora atingida de Marliéria, questionou sobre as mulheres que não conseguiram fazer o cadastro com a Fundação Renova. “Como elas vão entrar nesse processo? No meu município e em todos os outros lugares aconteceu esse problema também. Muitas mulheres não conseguiram fazer o cadastro em tempo hábil, depois foram fechadas todas as portas e elas estão aí, até hoje não receberam nada, foram invisibilizadas. E como vai ser esse processo para que elas tenham o direito de receber a reparação, como as outras já tiveram acesso aos outros programas? Como vamos ficar nós mulheres que não tivemos cadastro feito?”
Conceição de Pádua, moradora atingida de São Domingos do Prata, questionou se o Programa prevê recursos às mulheres de Povos e comunidades tradicionais que não foram reconhecidas. “Sou mulher atingida, agricultora, pescadora e atualmente articuladora pelo Território de Rio Casca e Adjacências. Gostaria de perguntar se o programa está prevendo garantir o direito das mulheres atingidas das comunidades tradicionais quilombolas que não foram reconhecidas no Anexo 3 da Repactuação. Elas ficaram invisíveis de todo o processo”.
Na ocasião, representantes das Instituições de Justiça e do governo federal afirmaram que muitos desses questionamentos serão considerados no processo de construção do Programa. Porém, reforçaram que o Programa para Mulheres é apenas uma parte do processo de reparação e que determinadas especificidades que atravessam a vida de algumas mulheres atingidas também poderão ser acessadas por meio de outras ações, anexos e programas.
Cuidado com as informações
Na reunião, Shirley Oliveira também comentou sobre as informações falsas sobre o Programa para Mulheres que vêm sendo compartilhadas entre as pessoas atingidas. Ela reforçou que as IJs não estão realizando cadastros prévios, nem solicitando informações pessoais ou entrando em contato individualmente com nenhuma atingida; que todas as informações serão divulgadas nos sites oficiais das Instituições de Justiça e que qualquer informação que circule fora dos canais oficiais deverão ser consideradas incorretas.
Vale ressaltar que as Assessorias Técnicas Independentes que atuam nos territórios atingidos também são canais seguros para que as pessoas atingidas se informem sobre o processo de reparação.
O Programa para Mulheres foi definido no Acordo de Repactuação considerando as violações de gênero e o processo de invisibilização que as mulheres atingidas sofreram ao longo do processo de reparação. O recurso de 1 bilhão de reais será administrado pelas Instituições de Justiça e direcionado a iniciativas que garantam autonomia financeira, suporte psicológico e acesso a políticas públicas voltadas às atingidas.