Instância de participação é apresentada pelo Governo de Minas Gerais e pelas Instituições de Justiça e Portaria Conjunta está prevista para ser publicada ainda esta semana
Na tarde de ontem (21), membros da Articulação das Comissões Territoriais da Bacia do Rio Doce, representantes dos territórios de Minas Gerais, reuniram-se com representantes do Governo do Estado de Minas Gerais e das Instituições de Justiça (Ministério Público Federal e Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais), para debater demandas relativas à reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
A reunião ocorreu na sede do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em Belo Horizonte, e contou com a participação de representantes das Assessorias Técnicas Independentes (Aedas, CAT, Cáritas Diocesana de Governador Valadares, Cáritas Diocesana de Itabira, Cáritas Brasileira Regional MInas Gerais e Centro Rosa Fortini).
A pauta foi construída coletivamente com as pessoas atingidas e incluiu, além da criação do Conselho Estadual, temas como os diversos problemas no Programa de Transferência de Renda (PTR), descumprimentos no Programa de Indenização Definitiva (PID) e no AGROPESCA, e a necessidade de agilidade no retorno das demandas das apresentadas para as Instituições de Justiça, além da necessidade de ampliar espaços de escuta frequente da população atingida pelo rompimento da barragem de Fundão.
Criação do Conselho Estadual de Participação dos Atingidos(as)
Desde a assinatura do Acordo Judicial para reparação integral e definitiva relativa ao rompimento da barragem de Fundão, os(as) Articuladores(as) das Comissões Territoriais de pessoas atingidas vêm cobrando das Instituições de Justiça a criação do Conselho Estadual de Participação. Essa instância de participação está prevista no Anexo 6 do Acordo que estabelece a criação de espaços e mecanismos de participação com duas estruturas próprias, para Minas Gerais e para o Espírito Santo, a fim de que as pessoas atingidas tenham acesso de forma transparente às ações pela reparação desenvolvidas pelos Estados, com os recursos do Acordo.
Em maio de 2025, a Articulação encaminhou ao Governador Zema e ao Comitê Pró-Rio Doce uma proposta de criação de Conselho, fundamentada em três pilares centrais: capilaridade, assegurando uma representação ampla e descentralizada dos territórios atingidos; centralidade do sofrimento das vítimas, garantindo o protagonismo das pessoas atingidas nos processos decisórios; e satisfação, por meio de uma reparação justa e adequada, que responda às demandas apresentadas com respeito à dignidade e aos direitos dos atingidos e atingidas.
Durante a reunião realizada na terça-feira, os representantes das Instituições de Justiça relembraram as solicitações feitas e informaram que, após diversos debates entre o governo de Minas Gerais e as Instituições de Justiça, houve o entendimento da importância da criação de um espaço de controle social das pessoas atingidas, no que se refere às ações de responsabilidade do Estado de Minas Gerais. Nesse sentido, o Conselho Estadual – Instância Mineira de Participação Social do Rio Doce (IMPS/Doce) – foi pensado para ser um espaço de troca e de diálogo com as pessoas atingidas, de caráter consultivo e informativo.
De acordo com as autoridades presentes na reunião, o Conselho respeitará o processo de eleição ocorrido em agosto de 2024, no Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba. Ele será composto por 11 representantes (1 para cada território de Minas Gerais), 3 para Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais (IPCTs) e 6 para representantes do poder público (Governo de Minas Gerais, além de Instituições de Justiça, Defensoria Pública da União e auditorias socioeconômica, ambiental e de reassentamentos).
Foi ressaltado, ainda, que haverá um esforço para que a primeira reunião do Conselho Estadual ocorra ainda neste ano, no mês de novembro. Os nomes dos representantes deverão estar entre os três membros da Articulação de cada território, em diálogo com as Comissões Locais Territoriais, com o apoio das Assessorias Técnicas Independentes.
Negativas ao Programa de Transferência de Renda (PTR)
Durante a reunião, uma das principais pautas apresentadas pelas pessoas atingidas foi relacionada à negativa para acesso ao Programa de Transferência de Renda (PTR), bem como os critérios para o acesso. Pontuaram que diversas pessoas enquadradas nos critérios de elegibilidade para acesso ao Programa receberam resposta negativa. Há casos de endereços registrados no sistema do governo que diferem dos endereços corretos das pessoas atingidas – o que tem prejudicado o acesso, visto que um dos critérios é a distância de 5km da calha dos rios Doce, Gualaxo do Norte e Carmo.
Foram relatadas situações de cobrança indevida por órgãos emissores para emissão do Cadastro Nacional de Agricultura Familiar (CAF), documento exigido para acesso ao PTR. Também foram denunciadas distorções no uso dos critérios de elegibilidade, com comunidades localizadas às margens do Rio Doce recebendo negativas, enquanto pessoas fora dos limites estabelecidos no Acordo acessando o Programa.
Apresentaram novamente a indignação com os prazos estabelecidos no Acordo para a solicitação do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), no caso dos(as) agricultores(as) familiares, e do Registro Geral de Pesca, no caso dos(as) pescadores(as). Isto porque, nos territórios, muitos profissionais atingidos realizavam suas atividades de maneira informal e não possuíam os registros que são requisitos para acesso ao PTR.
Lanla Maria, moradora atingida do Território 04 (Governador Valadares), afirmou: “o PTR seria desnecessário se o Rio estivesse limpo e se fosse possível tirar o sustento dali. Na correria em assinar o Acordo, muita gente ficou de fora. Os pescadores nem prazo tiveram, já os agricultores tiveram prazo para o CAF. Tem toda uma outra cadeia de atingidos que ficaram de fora do PTR e também de indenizações. […] Deu-se seguimento a muita coisa errada, porque o atingido não estava lá na mesa de negociação. Quando buscamos as IJs para relatar os problemas, é porque queremos ao menos uma orientação de qual caminho seguir”.
Em resposta às questões apresentadas, o Ministério Público Federal pontuou que já considerava os prazos previstos no Acordo de Repactuação curtos. “Está sendo discutida com a União a possibilidade de abrir o prazo novamente, para corrigir as regularidades”, pontuou Alessandra, assessora jurídica do MPF. Ela solicitou, ainda, que fossem formalizadas todas as inconsistências e divergências apresentadas, para que o MPF possa encaminhar.
As Assessorias Técnicas Independentes têm prestado apoio nas respostas aos formulários daqueles(as) que receberam negativa para acesso ao PTR. Além disso, encaminharam ofícios à Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER), sobre a morosidade no retorno desses formulários. As ATIs também têm prestado apoio para o georreferenciamento de suas residências, para correção do CAF.
Como encaminhamento da pauta, as ATIs deverão elaborar uma Nota Técnica conjunta apresentando todos os pontos relacionados ao PTR, incluindo de forma detalhada os fundamentos das negativas, bem como propostas sobre a documentação para acesso.
Essa Nota será encaminhada às Instituições de Justiça, com o objetivo de subsidiar uma atuação conjunta, possibilitando a compreensão dos motivos apresentados pela Anater e a construção de argumentações para novas revisões de modo a garantir efetividade na execução do Programa e reparação às pessoas atingidas.
Cobrança por mais agilidade nos retornos sobre as demandas que tratavam das medidas indenizatórias
Outra pauta que os membros da Articulação das Comissões Territoriais apresentaram na reunião foi em relação à morosidade dos retornos sobre as demandas apresentadas pelas pessoas atingidas sobre as medidas indenizatórias previstas no Acordo.
Pessoas atingidas ressaltaram o descumprimento, por parte da Samarco, para viabilizar a adesão ao Programa de Indenização Definitiva (PID), além da imparcialidade na realização da análise das pessoas que solicitaram. Relataram ainda a ausência de retornos da mineradora em relação aos requisitos para adesão ao AGROPESCA.
Rafaela Leite (MPMG) informou que a Samarco encaminhou o relatório trimestral do Anexo 2, sinalizando as pendências de pagamento em virtude de judicialização. O MPF vai solicitar esclarecimentos sobre prazos de pagamentos e outros encaminhamentos às empresas na reunião prevista para acontecer na próxima semana e, sendo possível, compartilhará com as ATIs e as pessoas atingidas o conteúdo do referido relatório.
Durante o encontro, membros da Articulação dos territórios de Minas Gerais, também apontaram a necessidade de presença das autoridades nos territórios e a consequente falta de conhecimento sobre a realidade dos problemas que as pessoas atingidas enfrentam em suas comunidades nestes dez anos de rompimento.
Portaria Conjunta instituirá Instância de Participação no Estado de Minas Gerais
Prestes a ser publicada, a Portaria Conjunta nº 1, assinada pelo Governo do Estado de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais, instituirá oficialmente a Instância Mineira de Participação Social do Rio Doce (IMPS/Doce).
O IMPS/Doce, de natureza informativa e consultiva, tem como finalidade constituir espaços e mecanismos de participação e controle social para acompanhar a execução das ações e obrigações de responsabilidade do Estado de Minas Gerais no Acordo de Repactuação do Rio Doce.
Entre suas diretrizes, a Portaria estabelece o compromisso com o direito à informação, à transparência e à linguagem acessível; a valorização da diversidade étnico-racial, de gênero, cultural e social; e a garantia de oportunidades de fala às pessoas atingidas. O texto também destaca o cumprimento do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que assegura o acesso à informação e à participação pública em questões ambientais.
As reuniões do IMPS/Doce serão realizadas a cada dois meses, de forma preferencialmente presencial, e poderão ocorrer em caráter extraordinário mediante justificativa dos membros. A Superintendência Central de Reparação do Rio Doce, vinculada à SEPLAG, exercerá a função de Secretaria-Executiva da instância.
Em relação a composição do Conselho, será de 20 membros titulares, sendo 11 representantes das comunidades atingidas, três representantes de povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e outros) e seis do poder público (SEPLAG, SISEMA, MPF, MPMG e DPMG). O documento ainda prevê a participação da Defensoria Pública da União e das auditorias independentes como convidadas permanentes.
As Assessorias Técnicas Independentes prestarão apoio técnico e operacional às reuniões do IMPS/Doce, conforme o parágrafo segundo da Cláusula 1 do Anexo 6 – Participação Social do Acordo.
O mandato dos conselheiros será de dois anos, prorrogável por igual período.