8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce mostra a força da fé e da resistência das pessoas atingidas 

A edição deste ano da Romaria lembrou os 10 anos do rompimento da barragem de Fundão e teve como lema “10 anos do Crime: memória, justiça e esperança”

No dia 5 de novembro de 2015 o rompimento da barragem de Fundão fez com que cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios descessem em direção à Bacia do Rio Doce. Um crime socioambiental que causou a morte de 20 pessoas e atingiu em cheio o meio ambiente e a vida das pessoas que moram nos territórios de Mariana ao litoral norte do Espírito Santo. Um acontecimento traumático que gerou muita dor e revolta, mas também a mobilização das pessoas atingidas na busca por reparação.  

Em memória aos 10 anos do rompimento da barragem de Fundão, foi realizada na cidade de Mariana-MG, no último dia 9 de novembro, a 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce. A edição deste ano foi acolhida pela Arquidiocese de Mariana e teve a participação de cerca de 6 mil romeiras e romeiros das dioceses dos territórios da Bacia do Rio Doce, que compõem a Província Eclesiástica de Mariana, (Mariana, Itabira e Coronel Fabriciano, Caratinga, Governador Valadares, Ganhães e Colatina). 

A edição deste ano da Romaria teve como tema “Rio Doce, nossa Casa Comum” e o lema foi “10 anos do crime: memória, justiça e esperança”. Os(as) romeiros(as) se reuniram a partir das 06h da manhã, na Praça dos Ferroviários, onde receberam as boas vindas de representantes das dioceses organizadoras em um café comunitário partilhado. Neste mesmo espaço, também ocorreu a ciranda cultural, conduzida pelo poeta e cantor Zé Vicente, além de outras manifestações culturais de grupos dos territórios atingidos. 

Imagens de mártires da luta foram carregadas por romeiros e romeiras.
Foto: Tainara Torres/Cáritas Diocesana de Itabira

A partir da chegada das diversas caravanas, foi realizado o primeiro ato de reflexão da Romaria, em memória das vítimas do rompimento da barragem de Fundão. Um momento marcante em que as pessoas atingidas deram seu testemunho às romeiras e aos romeiros. Em manifesto representando a comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana, a atingida Mônica dos Santos, lembrou de toda dor causada pelo desastre-crime, lembrou das preocupações que persistem, da luta das mulheres atingidas e cobrou por justiça. 

Queremos justiça que ouve, que repara e que devolve o direito de viver com segurança. E mesmo depois de tanta dor, a gente não perdeu a esperança. Porque ela está nas mãos das mulheres que seguram a luta, que cuidam da terra, da memória e da comunidade

Além das diversas caravanas de romeiros(as) e de pessoas atingidas, a Romaria também contou com a participação de romeiros que viajaram até Mariana motivados pelo sentimento de solidariedade, para reforçar as manifestações de fé, de luta e de esperança. Como o casal Heloísa e José, que percorreram 380 quilômetros desde São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro-MG, para a Romaria.  

Já tínhamos participado da romaria do ano passado, no Naque. Nossa motivação em participar é justamente essa mobilização, esse anseio por justiça”, disse o romeiro Júlio Briscese Filho. 

Essa romaria mostra uma diversidade muito grande. É um encanto ver todas essas pessoas se aglutinando por um mesmo intuito.  Se a gente não se unir e não alimentar esse propósito por justiça, a coisa vai se esvaindo”, afirmou a romeira Heloísa Helena Coleto Vieira. 

O romeiro e atingido José Gonçalves Ribeiro também viajou por conta própria, de carro desde Ipatinga para participar do encontro. “Essa 8ª Romaria tem um sentido muito importante por conta do crime que a Samarco cometeu. Atingiu muitas vidas, danificou a Bacia do Rio Doce toda. Os moradores de Bento Rodrigues perderam seu santuário, seu território. Inclusive, tenho um parente que morreu soterrado. Então, estamos aqui pedindo justiça por essas vítimas”.  

“É uma satisfação estar aqui, nesta data. Ao mesmo tempo é uma tristeza, porque estamos relembrando a tragédia que aconteceu. Por isso, ao invés de isso ser uma alegria, se tornou um trauma pra gente”, disse Valdivino Modesto, pescador atingido do Território 04 (Governador Valadares e Alpercata).  

Faixas, placas e cartazes lembraram dos “Mártires da Luta” e reforçaram a cobrança por uma reparação justa e digna. Também reavivaram a memória das vítimas, em um grito por justiça após uma década de impunidade. 

“Nós queremos justiça de verdade. Não a que vendem nos relatórios e nas promessas, mas a que devolve dignidade, território e vida”, disse Mônica, em durante seu manifesto.    

Caminhada pelas ruas de Mariana teve clamor por justiça e momentos de reflexão 

Iniciada com o primeiro momento de reflexão, pela memória das vítimas do rompimento da barragem de Fundão, milhares de romeiros(as) partiram da Praça dos Ferroviários em direção ao centro histórico de Mariana, segurando cartazes, faixas e bandeiras, motivados pelos cânticos de resiliência e resistência, em defesa da vida e do meio ambiente. 

Os andores com as imagens de São Francisco de Assis, São Bento e de Nossa Senhora da Abadia da Água Suja foram levados pelas romeiras e romeiros, que também carregaram os cartazes com as imagens dos mártires da luta e a grande cruz de madeira, símbolo da Romaria das Águas e da Terra. O segundo momento de reflexão ocorreu em uma parada, após a passagem pela Ponte da Liberdade. Momento dedicado ao clamor por justiça. 

A Grande Cruz, símbolo da Romaria das Águas e da Terra, foi carrega durante o percurso.
Foto: Pedro Henrique Caldas/Cáritas Diocesana de Itabira

Chegamos aos 10 anos de uma resistência e de uma luta que a gente precisa continuar. Uma luta que deve ser permanente, em defesa da Casa Comum, do meio ambiente, dos modos de vida das comunidades que são atingidas pela mineração. Hoje essa Romaria é um ato de fé, de comunhão com a Casa Comum, mas  também um ato de luta”, explicou Laiza Dutra, agente da Comissão Pastoral da Terra, em Minas Gerais. 

Mais do que uma tragédia, o rompimento da barragem foi resultado de um modelo de mineração predatório, que coloca o lucro acima da vida”, ressaltou Leleco Pimentel, deputado estadual por Minas Gerais. 

Em seguida, os(as) romeiros(as) retomaram a caminhada até a Praça da Sé, onde ocorreu o terceiro momento de reflexão da Romaria, sobre a esperança. Neste momento, todas e todas foram convidados a venerar a imagem da Cruz de Cristo, símbolo do Jubileu da Esperança de 2025. 

Ao som dos sinos da catedral basílica Nossa Senhora da Assunção (Sé) e dos cânticos, as autoridades eclesiásticas puderam expressar as mensagens de fé e de resistência, em defesa da vida e da Casa Comum. Estavam presentes neste momento: Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, bispo de Colatina-ES, Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo de Livramento de Nossa Senhora-BA e Dom Francisco Cota de Oliveira, bispo de Sete Lagoas-MG, além dos padres diocesanos da Província Eclesiástica de Mariana. 

O atingido Manuel Marcos Muniz (Marquinho), da comunidade de Bento Rodrigues, lembra dos momentos difíceis vivenciados com o rompimento e ressalta a importância da Romaria como um ato de conscientização. 

No dia do rompimento eu não estava em Bento Rodrigues. Se estivesse lá, talvez, não estaria aqui hoje. Deus predestinou para eu não estar lá no dia. Até hoje eu não consegui retomar os meus modos de vida. Então esse ato (a Romaria) é muito importante para mostrar para as pessoas o que as mineradoras causam”, relatou Marquinho. 

A retomada da caminhada ocorreu com a passagem dos romeiros e das romeiras pelo Portal do Jubileu da Esperança e seguiram pelas ruas de pedra em direção à Praça Minas Gerais.  

Missa Eucaristia é marcada pela emoção no fechamento da 8ª Romaria das Águas e da Terra 

A conclusão da caminhada ocorreu com a chegada dos romeiros e das romeiras na Praça Minas Gerais para a Missa Eucáristica, presidida pelo arcebispo metropolitano de Mariana, Dom Airton José dos Santos, e concelebrada pelos bispos Dom Francisco Cota de Oliveira (bispo de Sete Lagoas-MG), Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa (bispo de Colatina-ES e presidente do Regional Leste 3 da CNBB) e Dom Vicente de Paula Ferreira (bispo de Livramento de Nossa Senhora-BA e membro da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB), além dos padres da Província Eclesiástica de Mariana. 

Ao som dos sinos das igrejas e dos cânticos da Romaria, a Missa foi iniciada com a chegada das imagens de São Francisco, São Bento e de Nossa Senhora da Abadia da Água Suja. Além das imagens dos mártires da luta, colocadas em frente ao altar. 

Em sua homilia, Dom Airton ressaltou a importância da justiça em relação ao rompimento da barragem de Fundão. “Todos nós assumimos esse compromisso, que é uma obrigação especial, não deixar morrer, não deixar apagar a memória daquele dia 5 de novembro de 2015. Quem comete um crime contra a natureza, contra o ser humano, comete um delito contra as obrigações especiais que deveria assumir. Então, o crime daquele dia 5 de novembro de 2015 foi pensado, nós sabemos disso, não foi um acidente”. 

O grito por justiça, contra a impunidade, foi um dos momentos de reflexão da Romaria.
Foto: Pedro Henrique Caldas/Cáritas Diocesana de Itabira

As pessoas atingidas presentes na Missa também ressaltaram a luta contra a impunidade após 10 anos do rompimento. “Nós depositamos toda nossa esperança na justiça brasileira. Esperamos pela reparação não só dos nossos danos, mas também que os causadores dessa tragédia sejam responsabilizados por tudo aqui que eles causaram no meio ambiente e nas comunidades que perderam seus recursos”, disse Edson Pascoal, atingido da comunidade de Baixa Verde, em Dionísio-MG, do Território 02 (Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento), que participou pela primeira vez da Romaria.  

Eu nunca tinha participado da Romaria. A sensação de participar é muito boa. Por isso que os atingidos têm que se reunir mais, se juntar mais. Porque unidos não serão vencidos”, disse o atingido Geraldo Afonso dos Santos, da comunidade quilombola de Barro Preto, em São Domingos do Prata, do Território 01 (Rio Casca e Adjacências).

Estamos aqui na luta. Já fazem 10 anos dessa luta. São 10 anos de impunidade e, por isso, a gente não para e não pode parar, porque somos a voz do Rio Doce. Sem nós, não terá recuperação. Sem água não tem vida, não tem agricultura, não tem pescador”, disse Joelma Fernandes, ilheira atingida do Território 04 (Governador Valadares e Alpercata).

Foi uma benção muito grande a conclusão desta  8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce. Temos uma gratidão e uma esperança muito grande. Gratidão em ver o povo se mobilizando para se fazer presente. E esse olhar de esperança, de nos colocarmos avante, apesar do sofrimento, das dores e toda realidade de destruição. Nós queremos assumir o compromisso, pela regeneração social e ambiental da nossa Bacia do Rio Doce”, afirmou o padre Marcelo Santiago, padre na paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Mariana, ao término da Missa. 

Ao final do encontro, foi lida a Carta da 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, em um manifesto com as reflexões sobre os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e as agressões que o atual modelo de mineração ainda causa ao meio ambiente e à vida das pessoas. Em seguida, ocorreu a apresentação cultural do grupo da comunidade quilombola e ribeirinha Volta da Capela, de Barra Longa-MG. 

Encerramento da apresentação cultural realizada pela comunidade quilombola e ribeirinha Volta da Capela. Foto: Tainara Torres/Cáritas Diocesana de Itabira.

A 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce foi organizada pela Comissão de Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana e contou também com a participação de pessoas das Dioceses de Guanhães e Sete Lagoas, da Arquidiocese de Juiz de Fora e de outros estados. O encontro também teve a participação de pessoas atingidas, com o apoio das Assessorias Técnicas Independentes da Cáritas Diocesana de Itabira, Cáritas Diocesana de Governador Valadares e Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, além de outras ATIs. Também contou com o apoio e a participação de institutos, universidades e movimentos sociais.   

Confira as fotos da 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce no link a seguir:

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