Em novembro de 2023 foram divulgados dois documentos pelos Peritos Judiciais do Caso Samarco: O Laudo Pericial da Segurança do Alimento e o Diagnóstico de Caracterização da Área de Interesse pesquisada. Em todos os casos, as análises apontam indícios de contaminação em alimentos e organismos da ictiofauna (peixes de uma determinada região) em vários pontos da Bacia do Rio Doce.
O “Laudo Pericial da Segurança do Alimento”, trata dos Produtos Agropecuários que fazem uso de água do Rio Doce e outros corpos hídricos afetados pelo rompimento da barragem de Fundão para irrigação, dessedentação animal e/ou manutenção de tanques de cultivo de pescado. Já o “Diagnóstico de Caracterização da Área de Interesse pesquisada” traz informações sobre a produção agropecuária nas áreas estudadas.
Os documentos são os Relatórios nº 58 e 59, de autoria da empresa AECOM do Brasil, que atua como Perita do Juízo no caso Samarco. As atividades de coleta, geração de amostras e análise dos produtos agropecuários realizadas pela AECOM tiveram início no dia 7 de março de 2022 e foram finalizadas em junho de 2023. Os estudos foram realizados com diversos pescados, frutas, legumes, ovos, carnes e vísceras animais, em 42 municípios ao longo da Bacia do Rio Doce.
Definido com área de interesse, os produtos analisados estavam a até 1km da calha do Rio Doce. Foto: João Carvalho / Cáritas Diocesana de Itabira
Nos relatórios, a equipe da Aecom destacou que alguns municípios atingidos são ocupados prioritariamente por áreas de vegetação, áreas urbanas e industriais, e que devido a essa realidade, não foram encontrados estabelecimentos agropecuários que utilizam água dos rios afetados para a produção dos alimentos sendo oito municípios do estado de Minas Gerais (Caratinga, Córrego Novo, Ipatinga, Marliéria, Pingo D’água, Raul Soares, São Pedro dos Ferros e Timóteo). Nesse sentido, os produtos analisados estavam a até 1km da calha do Rio Doce, trecho descrito no estudo como área de interesse.
Assim, dos 42 municípios iniciais, em 16 não foram identificados estabelecimentos agropecuários com o perfil necessário para a execução do trabalho da perícia, permanecendo no fim 24 municípios para coleta e amostragem dos produtos agropecuários na área de interesse. Entre esse último grupo de municípios, estão Bom Jesus do Galho, São José do Goiabal e Sem Peixe, que fazem parte da área de atuação da Cáritas Diocesana de Itabira.
Para entender melhor, os estudos fazem parte do eixo 6 do processo judicial sob nº 1000412-91.2020.4.01.3800, que foi instaurado no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) principal, processo nº 1024354.89.2019.4.01.3800, que tem como finalidade centralizar e fiscalizar as informações e atividades a respeito da medição de performance e acompanhamento dos sedimentos ao longo dos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce.
Um dos principais pontos discutidos nesse processo é a segurança alimentar das pessoas que vivem ao longo da bacia desses rios que foram atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. Neste sentido, o juiz Dr. Mario de Paula, que era responsável pela condução do caso à época, nomeou a empresa AECOM, em março de 2020, como perita oficial do juízo para que pudesse apresentar um estudo técnico que auxiliasse os órgãos públicos competentes na tomada de decisão e posicionamento sobre o consumo do pescado dos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce, bem como os produtos agropecuários irrigados com as águas desses rios.
Entenda os resultados encontrados pelo estudo
Segundo os estudos, as substâncias que foram detectadas nos produtos agropecuários analisados pela equipe de perícia foram: alumínio, antimônio, bário, berílio, estanho, prata, tálio, titânio, urânio, ácido monometilarsônico, ácido dimetilarsínico, arsenobetaína, cromo III, cromo hexavalente, mercúrio, metilmercúrio, diclorometano, tolueno e cianeto.
O estudo da AECOM detalha que, “as verduras e o mel foram considerados seguros para o consumo humano, considerando as substâncias investigadas neste trabalho de perícia, visto que todas as substâncias químicas analisadas indicaram baixa preocupação à saúde, para todos os cenários avaliados.”
A avaliação da segurança foi calculada para três faixas etárias (1 a 6 anos, 7 a 17 anos e maiores de 18 anos) e ambos os sexos (feminino e masculino), e perfil de consumo, ou seja, os níveis de preocupação variam de acordo com a idade do consumidor e a quantidade de consumo do produto. A equipe de perícia avaliou a segurança do alimento considerando os altos consumidores, os consumidores de valores médios, e quando estes apresentaram risco e/ou preocupação, para os baixos consumidores.
Os estudos tiveram início em março de 2022 e finalizadas em junho de 2023.Foto: Pedro Caldas / Cáritas Diocesana de Itabira
Para os consumidores de valores altos foi observada preocupação para o consumo das frutas, pois continham elementos como bário, chumbo, cianeto, magnésio, manganês, metilmercúrio e potássio; assim como dos legumes, que apresentaram chumbo; das raízes e tubérculos, pela presença de chumbo e cromo VI; dos grãos que continham elementos como bário, boro, chumbo, cianeto, cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio, titânio e zinco. Além disso, foram vistos elementos contaminantes ainda no leite que apresentou arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio, metilmercúrio, potássio e titânio; no ovo que continha chumbo; das carnes por demonstrar cromo VI, PCBs e titânio; e das vísceras dos animais analisados por indicar chumbo e cobre.
Para os consumidores dos valores médios, também foi indicada preocupação para o consumo das frutas (chumbo, cianeto, magnésio, manganês e potássio), assim como das raízes e tubérculos (chumbo e cromo VI), dos grãos (cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio e titânio), do leite (arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio e titânio) e das carnes (cromo VI e PCBs).
A partir dos dados levantados pelos estudos, o assessor técnico da equipe jurídica de reparação Marcos Aurélio Mendes, explica que os relatórios fazem parte de um dos Eixos Judiciais, o Eixo 6 (Medição, performance e acompanhamento dos sedimentos), e que servem para auxiliar a tomada de decisões judiciais de forma mais próxima a real da situação das pessoas atingidas. “A perícia judicial da AECOM é um levantamento de provas feito por um técnico de uma determinada área, no qual são apresentadas informações que contribuem com a tomada de decisão do juiz e para que as partes do processo consigam chegar na melhor resolução daquele problema.”
Ele aponta que o trabalho da perícia do juízo é fundamental dentro do processo de reparação. “Os laudos periciais produzidos pela AECOM e juntados ao processo em dezembro de 2023, trazem os resultados da pesquisa realizada sobre a segurança do alimento e também servirão como base para que as partes, como por exemplo as Instituições de Justiças, requeiram medidas a serem tomadas a respeito do consumo dos alimentos diante dos resultados apresentados pela perícia.” completa.
Confira na tabela abaixo as substâncias que indicam preocupação à saúde em alguns dos alimentos estudados:
Produto agropecuário | Substância preocupante |
Banana | Magnésio e Manganês |
Laranja | Chumbo |
Batata-doce | Cromo VI |
Mandioca | Chumbo |
Feijão | Bário, boro, chumbo, cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio, titânio e zinco |
Leite de vaca | Arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio, metilmercúrio, potássio e titânio |
Leite de cabra | Chumbo, magnésio, titânio |
Ovo de galinha | Chumbo |
Carne de galinha | cromo VI e PCBs |
Fígado de galinha | Chumbo |
Fígado de boi | Cobre |
Para as substâncias químicas que apresentaram alterações que justificam preocupação em relação ao consumo dos produtos agropecuários, a perícia realizou a avaliação do nexo de causalidade entre o rompimento da barragem de Fundão e a preocupação observada, levando em consideração as concentrações das substâncias químicas de cada alimento que compõe o grupo de produtos agropecuários em que houve preocupação.
Divulgação dos resultados confirma nexo de causalidade entre o rompimento da barragem de Fundão e a contaminação dos alimentos nas regiões atingidas
O nexo de causalidade é a confirmação de que o aumento da presença de determinada substância química num alimento está diretamente relacionada à irrigação com água contaminada. A equipe de perícia confirmou a existência de nexo de causalidade entre o rompimento da barragem de Fundão e as concentrações das substâncias químicas presentes nos alimentos para o/a:
• Bário (abacate, abacaxi, acerola, banana, cacau, laranja, limão, mamão, melancia, café, feijão e milho);
• Boro (café e feijão);
• Chumbo (limão e maracujá);
• Cobre (café, feijão e fígado de galinha;
•Magnésio (acerola, polpa de coco-verde, laranja, mamão, café e feijão);
• Manganês (abacate, laranja, limão e feijão);
• Níquel (café, feijão e milho);
• Potássio (cana-de açúcar, laranja, café e feijão);
• Titânio (café, feijão, milho e leite de vaca);
• Zinco (feijão).
Após o conhecimento sobre o teor dos relatórios, as equipes técnicas da Assessoria Técnica Independente da Cáritas Diocesana de Itabira seguem estudando os documentos para entender melhor o impacto nas regiões assessoradas.
Como forma de garantir a participação informada das pessoas atingidas, a ATI continuará informando e atualizando as comunidades à medida que novos dados forem divulgados sobre os estudos a respeito dos riscos à saúde da população, assim como dialogar sobre os resultados dos documentos com as comunidades atingidas e comissões dos municípios assessorados.
A Cáritas Diocesana de Itabira irá realizar uma roda de diálogo virtual para iniciar a apresentação do tema, e também irá levar informações às comunidades que compõem os territórios assessorados, bem como, elaborar materiais de fácil compreensão para todas as pessoas atingidas acompanharem esse tema tão importante.
Tendo em vista que sete dos municípios que são atendidos pela Cáritas Diocesana de Itabira não estiveram dentro das áreas estudadas, também serão levadas informações para as Instituições de Justiça como forma de sugerir e compreender sobre outras variáveis importantes sobre a realização deste estudo de suma importância para reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
Quer saber mais? Confira na íntegra os documentos divulgados:
Relatorio_58_Diagnostico-de-caracterizacao-da-area-de-interesse