Encontro teve como objetivo apresentar as responsabilidades que a União Federal assumiu no Acordo de Repactuação e ouvir as pessoas atingidas
Na noite da última terça-feira (25), ocorreu a Caravana Interministerial do Governo Federal, no município de Timóteo/MG. Estiveram reunidas mais de 190 pessoas, entre atingido(as) de Rio Casca e Adjacências e do Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento, representantes de 15 Ministérios do Governo Federal, das Instituições de Justiça e dos municípios atingidos.
O encontro foi organizado pelo Governo Federal, com apoio da Assessoria Técnica Independente prestada pela Cáritas Diocesana de Itabira, com objetivo de apresentar as responsabilidades que foram assumidas pela União, com foco nos direitos coletivos e no fortalecimento das Políticas Públicas.
Maria Angélica Fontão, da Casa Civil da Presidência, afirmou que, no contexto atual, o “acordo possível”, como foi chamado por diversos representantes que participaram do encontro, envolve 16 Ministérios e diversos órgãos governamentais. Explicou que, entre os anexos do documento, 12 estão sob responsabilidade direta do Governo Federal e que possuem diversos pontos relevantes, especialmente em relação a questões coletivas e assistenciais à população atingida.
Destacou também a criação do Fundo Rio Doce, especialmente para os recursos que serão geridos pelo Governo Federal. Este Fundo será administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Josemar Ramos, do IBAMA, pontuou sobre os projetos e ações ambientais da União no novo acordo. Serão destinados 8,13 bilhões de reais ao Fundo Ambiental da União, para projetos de recuperação ambiental, a exemplo da recuperação de mais de 10 mil hectares na calha do Rio Doce e mais de cinco mil nascentes. Ele afirmou ainda que parte desse recurso poderá ser investido em projetos de recuperação propostos pelas pessoas atingidas.
Quanto à participação social, Zilda Onofri, assessora da Secretária Kelli Mafort, que integra a Secretaria Geral da Presidência, reforça que este é o motivo pelo qual o Governo Federal tem realizado a Caravana nos 20 municípios. “O desafio é como pensar o acompanhamento do desenvolvimento das ações pela população atingida”. Ela ressaltou que as Comissões Locais de Atingidos(as), reconhecidas pelas Instituições de Justiça, estão dentro do Conselho Federal de Participação Social. Porém, ainda vem sendo pensada a estrutura, com as representações dos atingidos, com diversidade étnica e de gênero. Além disso, ela afirmou que as pessoas atingidas irão exercer “o controle de todas as ações, incluindo a elaboração de critérios para suas aprovações, para que tudo o que for feito esteja em consonância com os anseios das pessoas atingidas”.
Na ocasião, também, foram pontuadas as especificidades do Programa Especial de Saúde do Rio Doce e das ações para ampliação e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), compreendendo a centralidade do SUS no processo de reparação; da elaboração dos Planos de Ação em Saúde de cada município, com o objetivo de compreender as demandas específicas de cada um deles. Também, foi celebrada a destinação de recursos para o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), importante para a proteção social a famílias em situação de vulnerabilidade.
O Ministério de Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA) pontuou sobre o recurso para o Programa de Transferência de Renda, bem como os prazos estabelecidos para ingresso no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) e a ampliação de 500 metros (distância que estava sendo negociada no governo anterior), para 5 km de distância da calha dos Rios Carmo, Gualaxo do Norte e Doce – critério para acesso ao PTR.
Bráulio Araújo, da Defensoria Pública do estado de Minas Gerais, apresentou informações sobre o Programa de Indenização Definitiva (PID), previsto na Repactuação. Apesar de ser uma obrigação das empresas no processo, o acordo estabelece a necessidade de acesso através de advogado(a) ou defensor(a) público(a). Por isso, reforçou que a Defensoria Pública realizará mutirões nos municípios atingidos, incluindo todas as cidades que compõem os Territórios 01 e 02. As datas e locais ainda não foram definidos, porém, as pessoas atingidas que desejarem ser atendidas pela DPMG podem manifestar seu interesse através do formulário disponibilizado pela instituição clicando aqui.
Questionamentos apresentados pelas pessoas atingidas
Após as apresentações dos (das) representantes do Governo e das Instituições de Justiça, as pessoas atingidas puderam apresentar suas principais demandas, pautas e dúvidas dos Territórios 01 e 02:
Sandra Vasconcelos, moradora atingida de Dionísio, falou sobre a desinformação das pessoas atingidas à época do rompimento, o que inviabilizou o acesso ao Programa de Cadastramento (PG01). Isso acarreta, hoje, na impossibilidade de acesso às medidas indenizatórias previstas na Repactuação, uma vez que um dos critérios estabelecidos é ter realizado a solicitação do cadastro até 31 de dezembro de 2021.
Marlene Imaculada, moradora atingida de Marliéria, reclamou do curto prazo que as comunidades tiveram para ingressar no CAF, medida necessária para solicitação do PTR-Rural. “Foi muito curto e está deixando muitos agricultores de fora”, afirmou. Por isso, pediu que os representantes do governo federal ampliassem o prazo para inscrição no CAF.
Sílvio Martins, morador atingido de São Pedro dos Ferros, pediu para que sejam feitas ações diretas que resolvam as questões relacionadas à qualidade da água e comentou sobre a necessidade de apresentação dos estudos de contaminação do Rio Doce, de seus afluentes e das lagoas da região, “porque essas respostas não chegam até as pessoas atingidas, que seguem sem ter informações sobre a água que consomem”.
Felipe Godói, reforçou a importância da participação das pessoas atingidas no processo, para acompanharem de perto a execução das medidas. “Nós queremos sentar na mesa, porque o protagonista da história é o povo que convive diariamente com o rejeito”.
Edson Pascoal, morador atingido de Dionísio, afirmou que através da consulta pública promovida pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), para alteração da portaria 40 do ordenamento pesqueiro, ele e outras pessoas atingidas puderam opinar e participar da construção desse instrumento. Porém, questionou se de fato suas contribuições feitas no formulário serão consideradas. “O novo ordenamento criará regras justas para que os pescadores possam resgatar sua dignidade e modo de vida?”, perguntou.
Marinete Costa, moradora atingida de Bom Jesus do Galho (Revés do Belém), é pescadora e apresentou uma garrafa com a água do Rio Doce coletada antes da reunião. Afirmou que está representando as mulheres, pois, apesar de ter realizado o cadastro e feito a entrevista com a Fundação Renova, foi inserida como dependente de seu marido.
Juventina Avelina, moradora atingida de Marliéria, afirmou que o processo indenizatório conduzido pela Fundação Renova apresenta “falhas inaceitáveis”. Pontuou que “as mulheres foram as que mais precisaram reinventar a vida com as suas famílias. Mesmo assim, na hora de serem indenizadas, os nomes delas sequer apareciam e os direitos foram negligenciados. Muitas mulheres não fizeram o cadastro. Como será aplicado o 1 bi [de reais] destinado às mulheres? “ e ressaltou que deseja contribuir e fazer parte do processo.
Entrega de documento produzido pelas comunidades quilombolas
Durante o momento de falas das pessoas atingidas, Vanda Marcia Gonçalves, moradora da comunidade quilombola Surrão (São Domingos do Prata) afirmou que representava a Associação dos Quilombos e Grupos Afrodescendentes de São Domingos do Prata, onde estão localizadas as comunidades quilombolas Surrão, Serra, Bateeiro e Areião, assessoradas pela ATI Cáritas Diocesana de Itabira.
Ela manifestou que não houve ampla escuta das comunidades tradicionais para construção do novo acordo e que, além disso, não foi garantida a participação dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTS) de toda a Bacia do Rio Doce nos espaços de discussão sobre a reparação. Reclamou que os recursos do acordo foram destinados a um número reduzido de PCTS e questionou como o Governo Federal irá auxiliar na luta das comunidades que não foram incluídas no Acordo.
Ao final da fala, os representantes das comunidades presentes na reunião entregaram, aos representantes dos Ministérios e da Defensoria Pública, um ofício da Associação, com solicitação do reconhecimento das Comunidades Quilombolas e do acesso aos programas de reparação.
Em resposta a estes e outros questionamentos apresentados, Zilda Onofri, afirmou que o Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce não será composto apenas por quatro representantes eleitos, como está previsto no texto: “Foi determinado pelo Ministro que as caravanas têm o objetivo de entender essa composição. Disso, vai sair os desenhos propostos e apresentados pelo governo. Quanto ao regimento, isso será pensado pelo povo, demanda uma proposta das pessoas atingidas”.
Vitor Sampaio, da Secretaria Geral da Presidência, atesta que o Governo Federal concorda que os atingidos deveriam ter participado do acordo. “Foram feitos vários requerimentos de participação pelo acordo, mas não foi fechado somente pelo governo federal. O Acordo é dividido em responsabilidades e, embora não tenha havido a participação, o acordo está posto e, se na elaboração não houve participação, não há como ser executado sem que os atingidos participem da sua execução, motivo pelo qual precisam estar dentro do Conselho de Participação, para que possam ter participação social efetiva, a partir da Secretaria Geral da Presidência”.
Sobre o prazo da solicitação ao CAF, para acesso ao PTR, encerrado no dia 06 de março de 2025, foi informado pela Adriana Aranha que esse processo de extensão depende de uma decisão judicial. O Governo ressaltou o esforço realizado pelo MDA, para a emissão de mais de 8.500 CAFs desde a homologação do acordo e que, ainda que o prazo para acesso ao PTR tenha encerrado, o CAF é também fundamental para acesso a muitos outros benefícios do governo.
Em relação à saúde, também foi pontuado que a adesão (ou não) das prefeituras ao Acordo de Repactuação não implicará na perda de acesso aos investimentos do SUS. Foi destacada, porém, a importância do controle social e da cobrança popular para elaboração dos Planos de Ação em Saúde, que serão fundamentais no processo de reparação.
Foram abertas novas inscrições às pessoas atingidas, que relataram as responsabilidades que assumem ao representarem suas comunidades e municípios; preocupações relacionadas à saúde; questionamentos sobre a pesca e a carteirinha profissional, além de diversos outros pontos importantes a cada um dos 13 municípios atingidos nos Territórios 01 e 02.
Ao final do debate, Zilda Onofri, afirmou que o Conselho está em desenvolvimento e que o Governo Federal retornará aos territórios com propostas sobre cada demanda apresentada no encontro, para serem validadas pelas pessoas atingidas.