Escola Estadual Coronel José Gomes de Araújo lança livro sobre a história dos quilombos Areião e Surrão em São Domingos do Prata

Iniciativa envolveu professores, estudantes e contou com o apoio da Assessoria Técnica Independente prestada pela Cáritas Diocesana de Itabira

No dia 22 de novembro, cerca de 150 pessoas estiveram reunidas na Escola Estadual Coronel José Gomes de Araújo, na comunidade de Cônego João Pio, em São Domingos do Prata, para a 3ª Festa da Consciência Negra e o Lançamento do Livro da Escola: “Escrevendo Memórias e Narrativas de Surrão e Areião – Educação Quilombola e seus Registros”

O espaço foi uma grande celebração da cultura afro-brasileira, com diversas expressões dos quilombos Areião e Surrão através da culinária, da música, da dança e da religiosidade. De acordo com a diretora da escola, Maria Aparecida Guimarães, esta festa, que já acontece há três anos, é resultado do trabalho de educação quilombola realizado com as crianças: “durante o ano todo as professoras trabalham com os meninos sobre a educação quilombola, né? Eles visitam os quilombos, fazem trabalhos, sempre tem um convidado do quilombo para participar aqui com eles na escola e falar a importância dessa cultura”.

A festa contou com um café da manhã e almoço recheados de comidas típicas dos quilombos, como o biscoito cobu, bolos, chás, frutas e verduras. Também, houve apresentações de dança das turmas de estudantes do ensino fundamental, apresentação de coral, roda de capoeira e congado, além de uma palestra sobre o Mês da Consciência Negra. 

Ketlen Mayra Costa, supervisora da escola, comenta ainda que essa celebração “é um momento que representa muito a educação escolar quilombola e faz parte da tradição e da vivência dos nossos alunos. É o 3º ano da festa e, graças a Deus, foi tudo bom e contamos com a participação de muitas entidades, muitas pessoas de outros lugares, trazendo novas convivências, novos costumes e compartilhando os nossos também. Trouxemos comidas típicas das comunidades, trouxemos chás, enfeites, artes e compartilhamos um pouquinho da nossa vivência”.

Além de todas as apresentações foi anunciado o lançamento do livro “Escrevendo Memórias e Narrativas de Surrão e Areião – Educação Quilombola e seus Registros”, que reúne pesquisas realizadas pelos estudantes e conta com um resgate histórico das comunidades, fotografias, árvores genealógicas, receitas tradicionais, lendas, festejos e diversas outras características e curiosidades sobre a cultura desses quilombos.

Maria Aparecida explica que a escola recebeu um recurso específico para educação quilombola e que a decisão pela produção do livro foi conjunta entre os profissionais da escola, compreendendo a importância de uma produção que registre a história dos quilombos. “Todos se envolveram, os alunos pesquisaram, foram nos quilombos, o que eles puderam reproduzir o que aprenderam lá, no livro mesmo tem desenhos, alguma coisa que eles fizeram lá. A árvore genealógica dos dois quilombos…. A gente pediu ajuda da Cáritas, porque a gente tinha as ideias, mas não tinha aquela coisa de como estruturar o livro”, destaca a diretora.

A pedido da escola, a ATI Cáritas Diocesana de Itabira prestou apoio técnico na elaboração do material. Bruna Bacelete, assessora técnica da equipe Memória, Gênero e Tradicionalidade da ATI Cáritas Diocesana de Itabira, afirma que “a equipe assumiu o apoio no desenvolvimento dos conteúdos e na revisão do texto. Foram realizadas reuniões em que as professoras apresentaram o material existente e, a partir dessas conversas, as assessoras deram sugestões metodológicas, colaborando para a escrita”. Ela também relata que a equipe de Comunicação contribuiu com a diagramação, revisão final e levantamento de orçamentos para a impressão do livro. “A ATI atuou junto com a escola para que o livro se tornasse um registro das memórias e saberes das comunidades quilombolas do Surrão e Areião”, destaca.

Confira as fotos da atividade:

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Educação como forma de preservação da história

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) nº 9.394/1996 organiza o sistema educacional brasileiro e dita as modalidades de ensino, para que as pessoas tenham pleno desenvolvimento de sua cidadania. Esta Lei considera as características de cada povo e comunidade, demarcando a identidade, a cultura e o fortalecimento delas. Nesse sentido, a educação escolar quilombola é uma modalidade da educação básica. Ela é de implementação obrigatória em escolas localizadas em territórios quilombolas ou em escolas que atendam um número significativo de estudantes quilombolas.

Diferente do modelo de educação tradicional, a educação quilombola busca integrar os saberes e modos de vida das comunidades com o currículo escolar. Além disso, essas escolas possuem um calendário adaptado, com a participação da comunidade em sua organização e funcionamento, promovendo atividades que fortaleçam a história local, atendam aos anseios e perspectivas das comunidades e proponham o diálogo contínuo com as famílias quilombolas.

Assim, para além dos conhecimentos do currículo geral, a educação escolar quilombola busca as pedagogias próprias das comunidades, vinculando o ensino ao território. 

Para a professora de língua portuguesa, Maria Inês de Souza, a festa realizada no último dia 22 e o lançamento do livro “representam um rompimento de uma educação que era muito conservadora, onde era difícil incluir a temática, a história e a cultura negra, mesmo com a lei”. 

Novas narrativas 

Para a realização da festa, os estudantes e professores enfeitaram toda a escola com os trabalhos desenvolvidos ao longo do ano. Haviam pinturas, máscaras africanas, escritas sobre a boneca abayomi, pesquisas sobre personalidades negras do Brasil e do mundo, maquetes produzidas das comunidades quilombolas Areião e Surrão, além de enfeites e elementos da cultura quilombola. 

“A gente veio trazendo mesmo os elementos da cultura negra, na literatura e em todas as áreas. A gente fala do branco, obviamente, porque já está no livro didático, né? Existe uma questão do quilombo, que não tem conteúdos, como tem no livro didático, não tem no livro didático conteúdo quilombola. Então, o conteúdo a gente produz. Na língua portuguesa, por exemplo, nós fizemos um trabalho com os meninos que é a história do quilombo em quadrinhos, porque aí já entra na produção de texto, gramática, a gente aproveita pra estudar onomatopéia, figuras de linguagem, pontuação, verbo, e vem trazendo tudo. É um desafio muito grande, né, o livro foi muito importante”, explica Maria Inês. 

A professora também pontua que o livro é uma oportunidade para que essas crianças e as futuras gerações conheçam suas histórias e tenham esses registros no papel, além de terem acesso a uma narrativa própria sobre os quilombos, “porque existe uma questão do nosso povo que é a tradição oral, que é repassado o saber de geração para geração, mas de uma forma geral a sociedade não conta. Mesmo que a nossa história seja contada, ela é desprezada, a história que aparece aqui, que a gente sempre sabe é a história de quando os negros chegaram, tal e tal, mas e a história vinda de outra lugar? Esse outro lugar as pessoas não escutavam muito, não davam valor, então muita coisa se perdeu e agora isso está sendo retomado”. 

Bruna Bacelete pontua, além disso, a importância do registro das memórias e modos de vida das comunidades quilombolas assessoradas, “para fortalecer a identidade e valorizar a trajetória de resistência dessas comunidades, suas origens, cultura e tradições. Esse trabalho se torna ainda mais significativo porque esses territórios foram atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, que interferiu nos seus modos de vida. Documentar essas histórias é uma forma de valorizar suas práticas, saberes e vozes, mesmo depois de tantos desafios”, finaliza.

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