No encontro, foram apresentados vários questionamentos sobre os programas criados no Acordo de Repactuação e também como esses recursos estão sendo fiscalizados.
No dia 27 de novembro, pessoas atingidas de 11 territórios da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba participaram da Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que tratou de demandas a partir dos desdobramentos do Acordo de Repactuação. O espaço foi promovido pela Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento da Bacia do Rio Doce (CIPE Rio Doce) e, nele, também foi realizada uma análise dos 35 meses de trabalhos das Assessorias Técnicas Independentes nos territórios, em um debate com as Instituições de Justiça.
Participaram da Audiência Pública, com apoio da ATI Cáritas Diocesana de Itabira, as pessoas atingidas dos Territórios de Rio Casca e Adjacências (Território 01) e do Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento (Território 02). Também, com apoio da ATI Cáritas Diocesana de Governador Valadares, as pessoas atingidas do Território de Governador Valadares e Alpercata (Território 04) e, com apoio da ATI Centro Agroecológico Tamanduá (CAT), as pessoas atingidas do Território de Tumiritinga e Galiléia (Território 05). Além das pessoas atingidas e ATIs dos demais Territórios na Bacia do Rio Doce: Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, AEDAS, Centro Rosa Fortini e ADAI.
O encontro relembrou os desafios das comunidades atingidas diante do processo de reparação, passados 10 anos do rompimento da barragem de Fundão.
Na abertura dos trabalhos, representantes das pessoas atingidas puderam expor suas preocupações, como Mônica Santos, de Bento Rodrigues, que fez críticas ao Novo Acordo de Mariana. “Após 10 anos do rompimento, o que vivenciamos hoje é um processo de reparação atualizado pelo Acordo de Repactuação, que não cumpre o que se propõe. Existe uma distância profunda entre o que está escrito no documento e o que nós atingidos vivenciamos diariamente”.

O coordenador da CIPE Rio Doce e representante da Assembleia Legislativa do estado do Espírito Santo, Hernandes Moreira Bermudes, lembrou da importância da transparência dos atos no processo de reparação, ao destacar que métodos utilizados no passado não devem ser repetidos.
“Transparência não é só eu chegar e dar papel para você ler. Isso não é transparência. Transparência é fazer um texto que alcance o máximo possível de compreensão daqueles que irão ler. A Fundação Renova disponibiliza informação, mas elas não eram claras”, afirmou Hernandes.
A cobrança por mais transparência nos atos da reparação também foi feita pelo deputado federal Padre João, que questionou como está sendo o controle social sobre os recursos da Repactuação encaminhados aos municípios. “Eu pergunto a vocês. Quantas audiências foram feitas em seus municípios? Quantas em cada município, com o poder executivo local? Porque na Repactuação tem recursos indo direto para os municípios”, alertou o parlamentar.
Ainda pela manhã, representantes dos governos federal e do estado de Minas Gerais apresentaram um balanço das ações já executadas no âmbito do Acordo de Repactuação, homologado em novembro de 2024. Também, apresentaram uma síntese das ações que estão programadas.
A Repactuação estabeleceu que parte dos recursos referentes às obrigações de fazer serão destinados aos governos dos estados atingidos. Gabriela Martins Durães Brandão, subsecretária de gestão estratégica, da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do governo do estado de Minas Gerais, apresentou o panorama dos investimentos previstos pelo estado com recursos da Repactuação, em ações previstas em diversos Anexos, nas áreas de infraestrutura, saneamento e saúde.
De acordo com a representante do governo de Minas Gerais, estão previstos R$14,057 bilhões em investimentos, dos quais R$3 bilhões para iniciativas socioambientais, R$950 milhões para iniciativas socioeconômicas e o restante, R$10,107 bilhões em iniciativas compensatórias. No que diz respeito às iniciativas compensatórias, ou seja, R$10,107 bilhões, R$8,9 bilhões serão destinados para investimentos na Bacia do Rio Doce, sendo 7,54 bilhões em saneamento. Também, até R$2,2 bilhões poderão ser investidos em outras regiões do estado de Minas Gerais. Os dados apresentados geraram questionamentos dos participantes, especialmente sobre investimentos em saneamento e aquisição de máquinas e equipamentos.
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As ações do governo de Minas Gerais no Acordo de Repactuação podem ser acompanhadas através do link a seguir: https://www.mg.gov.br/riodoce
Representantes do governo federal também fizeram a apresentação das principais ações e programas que estão sendo executados pelos ministérios a partir do Acordo de Repactuação.
Vitor Sampaio, da Secretaria-Geral da Presidência da República, apresentou um panorama das ações voltadas para a participação e controle social após um ano da homologação do Acordo, especialmente a criação do Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba (CFPS). “Nenhum outro acordo anterior estabeleceu a participação social das pessoas atingidas com vez, voz e voto”, comentou Vitor.
A apresentação provocou um debate sobre a Instância Mineira de Participação Social, uma vez que o órgão foi criado como de caráter apenas consultivo e não deliberativo. O pleito apresentado pelos membros da CIPE, é de que o estado de Minas Gerais crie um fundo, semelhante ao previsto no Anexo 6, para projetos comunitários.
O Novo Acordo estabelece que o Conselho Federal de Participação Social possui poder deliberativo sobre o Fundo de Participação Social, previsto no Anexo 6, destinado à promoção de projetos nos territórios atingidos. Para os demais 15 anexos do Acordo, cuja responsabilidade é do Governo Federal, o Conselho atua de forma consultiva e informativa.
Já a Instância Mineira de Participação Social, também instituída no âmbito do Anexo 6, prevê a participação e o controle social das pessoas atingidas nos anexos sob responsabilidade do Governo de Minas, igualmente com natureza consultiva e informativa.
A representante da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER), órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Tatiana Lemos Sandim, apresentou dados relativos aos danos causados pelo rompimento aos sistemas de produção de alimentos na Bacia do Rio Doce, além de mais detalhes sobre os programas da Repactuação, como Programa de Transferência de Renda (PTR-Rural), como o lançamento do aplicativo do programa. Até o momento, de acordo com os dados divulgados pela representante, o PTR-Rural atendeu cerca de 13 mil agricultores(as) familiares, em pagamentos que somam 157 milhões de reais.
Outra representante do governo federal na Audiência, Carolina Bittencourt, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), apresentou os dados atualizados sobre o PTR-Pesca. De acordo com os dados apresentados, entre julho e outubro o programa executou 197 milhões de reais e até dezembro de 2025 terá atendido cerca de 21 mil pescadores(as).
As ações do governo federal no Acordo de Repactuação podem ser acompanhadas através do link a seguir:
https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/novo-acordo-do-rio-doce

Pessoas atingidas apontaram falhas do Acordo de Repactuação e cobraram maior inclusão e transparência
A Audiência Pública também contou com um espaço para que as pessoas atingidas dos 11 territórios pudessem fazer suas considerações, expressar os desafios enfrentados por suas comunidades e questionar os órgãos governamentais.
“Eu não sei fazer mais nada, a não ser pescar. É muito triste a gente ser tirado daquilo que fazemos. Ali a gente tirava nossa renda de sobrevivência, hoje a gente não pode mais”, disse José Alves, pescador e ilheiro atingido do Território 04 (Governador Valadares e Alpercata).
“Desde o rompimento foram violados os nossos direitos, em todas as instâncias, federal, estadual e municipal. Seria importante cada município criar um Conselho dos Atingidos. O dinheiro já está chegando e nós estamos com dificuldade para acompanhar isso”, propôs José Maria Lalau, atingido do Território 01 (Rio Casca e Adjacências).
“Nós atingidos não somos excluídos. Nós nunca fomos é incluídos”, disse José Pavuna, atingido do Território 05 (Tumiritinga e Galiléia)
“Esse maquinário que vão entregar [pelo governo do estado de Minas Gerais] para as prefeituras, com dinheiro da Repactuação, é obra eleitoreira. Nós não podemos permitir isso. Gostaria de pedir a essa casa [ALMG] providência para nos ajudar a fiscalizar isso. Não estamos aqui pedindo socorro, mas exigindo o direito que é nosso de atingido”, afirmou Felipe Godoi, atingido do Território 02 (Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento), que também é membro do CFPS.
ATIs e Instituições de Justiça debatem sobre desafios da reparação após 1 ano de homologação do Acordo de Repactuação
A Audiência Pública também abriu espaço para que as Assessorias Técnicas Independentes apresentassem suas impressões após 35 meses de atuação no processo de reparação nos Territórios da Bacia do Rio Doce.
Representando as Assessorias Técnicas Independentes presentes no encontro, a Coordenadora Geral dos Projetos de ATI Cáritas Diocesana de Itabira e Cáritas Diocesana de Governador Valadares, Ana Paula Alves, lembrou como ocorreu a divisão dos territórios da Bacia do Rio Doce e do Litoral Norte Capixaba e a implementação das ATIs para atuarem junto às comunidades atingidas.
“O direito [das pessoas atingidas] à Assessoria Técnica Independente só foi efetivado, de fato, com a chegada das ATIs aos territórios em 2023. O marco referencial ao PID (Programa de Indenização Definitiva) foi apenas para as pessoas que acessaram, de alguma forma, um pedido de reconhecimento enquanto atingido(a), até dezembro de 2021, sendo que a Assessoria Técnica chegou em 2023”, disse Ana Paula, ao lembrar que o Acordo de Repactuação desconsiderou as pessoas que não tiveram a oportunidade de participar do cadastramento, feito pela Fundação Renova, e permite que as pessoas atingidas acessem as medidas de reparação.

Rodrigo Vieira, da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais propôs na Audiência que seja encaminhamento requerimento ao Núcleo de Solução Consensual de Conflitos, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que sejam levantados sigilos sobre programas e ações previstos no Acordo de Repactuação. Também, destacou as dificuldades que agricultores(as) familiares atingidos estão enfrentando para obter uma reparação justa.
“O papel que estão propondo para o CAF [Cadastro Nacional da Agricultura Familiar] na Repactuação é um papel que faz ele excluir, mas o CAF veio para incluir. É um absurdo isso, porque o CAF não é para excluir”, criticou Rodrigo, ao apontar que muitos agricultores e agricultoras não possuíam ou poderiam solicitar o CAF pela falta de possibilidade de executar suas atividades após o rompimento da barragem de Fundão.
O defensor público Rafael Mello Campos Portella, da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, defendeu a importância do acesso das pessoas atingidas aos programas criados pela Repactuação e relatou que o órgão já conseguiu reverter entendimentos sobre o Programa de Transferência de Renda (PTR). “Temos aqui hoje mais de 200 casos que estamos fazendo uma análise pormenorizada para tentar não deixar ninguém de fora. E já tivemos alguns casos em que conseguimos fazer a reversão de entendimentos do governo federal a respeito do acesso ao PTR-Agro e também ao PTR-Pesca”.
A coordenadora-adjunta do Núcleo de Acompanhamento de Reparações por Desastres (Nucard), do Ministério Público de Minas Gerais, promotora de Justiça Shirley Machado de Oliveira, destacou a importância e a urgência da reparação para as mulheres. O Acordo de Repactuação prevê a destinação de 1 bilhão de reais para a reparação dos danos sofridos pelas mulheres atingidas, porém este programa ainda está em fase de construção e definição de seus critérios.
“O Acordo [Repactuação], levou à extinção de uma ação civil pública que identificou que houve discriminação contra as mulheres durante o processo de reparação executado pela Fundação Renova, porque suas formas de trabalhar não foram consideradas. Então esse programa [Programa para Mulheres] precisa atender a essa discriminação de genêro que foi identificada”, lembrou a promotora.
Ao fim do encontro, o deputado estadual Leleco Pimentel, que mediou a Audiência, fez a leitura de requerimentos elaborados a partir das demandas apresentadas pelas pessoas atingidas, parlamentares, Instituições de Justiça e também pelas Assessorias Técnicas Independentes. Os requerimentos serão encaminhados, específicamente, aos órgãos de governo e do judiciário.
Também participaram da Audiência Pública o defensor público Felipe Augusto Cardoso Soledade (Defensoria Pública de Minas Gerais), Elisa Costa (representando o escritório regional da ANATER/MDA no Médio Rio Doce), Marcos Nunes (representando o escritório regional do MDA no Alto Rio Doce), o deputado federal Paulo Guedes, os(as) deputados(as) estaduais Ricardo Campos, Bella Gonçalves e Leninha.
As ATIs Cáritas Diocesana de Governador Valadares, Centro Agroecológico Tamanduá (CAT) e Cáritas Diocesana de Itabira seguirão apoiando as pessoas atingidas no acompanhamento das ações do Acordo de Repactuação por meio dos espaços de participação, inclusive no exercício do controle social sobre os recursos nos estados e nos municípios.




