Repactuação é assinada sem participação das pessoas atingidas

Cerimônia de assinatura aconteceu na manhã do dia 25 de outubro, no Palácio do Planalto, e foi transmitida pelo canal do Governo Federal, no YouTube

 

Na última sexta-feira (25), no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), Governo Federal, governos de Minas Gerais e Espírito Santo, presidente do Supremo Tribunal Federal, representantes das Instituições de Justiça,  representantes das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton e outros atores participaram da assinatura da repactuação do acordo para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão ocorrido, em 5 de novembro de 2015.

Após quase nove anos do rompimento, o acordo foi assinado com o valor total de 167 bilhões de reais, incluindo os R$38 bilhões que a Fundação Renova declarou já ter investido em ações para a reparação. Destes, R$100 bilhões serão destinados para reparação que será gestada pelo Governo Federal, estados e municípios e R$32 bilhões destinados a indenizações individuais e recuperação ambiental, previstos para serem executados nos próximos 20 anos. 

A primeira parcela, no valor de R$5 bilhões, será paga em 30 dias, a contar da data da assinatura do acordo. O restante do pagamento seguirá um cronograma contínuo e anual, até 2043. 

Entre a reunião ocorrida com representantes do Governo Federal, no dia 18 de setembro, e a assinatura do novo acordo, foram realizadas algumas alterações nos valores previstos da repactuação. O primeiro deles é o valor do Sistema Indenizatório Final e Definitivo, conhecido como PID, para as pessoas atingidas que não foram indenizadas pelo NOVEL. Será uma parcela única de R$35 mil para cerca de 300 mil pessoas.

Outra mudança é a alteração no valor destinado ao direito às Assessoria Técnicas Independentes (ATIs), que atuarão, após finalização do Plano de Trabalho vigente,  mais 42 meses, sendo possível uma prorrogação única por mais seis meses. O valor de R$380 milhões, foi atualizado para R$500 milhões. 

Durante a cerimônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a postura gananciosa das mineradoras, que poderiam ter adotado medidas para evitar o maior desastre socioambiental do país: “Se o presidente da Vale resolvesse dizer para a diretoria que iria evitar que acontecesse o que aconteceu em Mariana, seria taxado de irresponsável, porque estaria gastando dinheiro que não era necessário. Essa lição que as mineradoras estão tendo, de que ficaria muito mais barato ter evitado a desgraça, eu espero que sirva de lição para outras centenas de lixos que as empresas jogam em represas [barragens], para evitar outra desgraça dessa”.  

O Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que este não é um momento de celebração. “Não há o que se comemorar diante da maior catástrofe ambiental da história do Brasil e da morte trágica de 19 pessoas em Mariana. Estamos falando de brasileiras e brasileiros cujas vidas foram transformadas para sempre pela lama tóxica que tomou conta do Rio Doce. Já disse publicamente e repito, não existe acordo ideal para uma vida perdida. Não há acordo ideal para a devastação do meio ambiente. O ideal seria que isso jamais tivesse acontecido. Nos resta trabalhar com muito empenho para que isso nunca mais aconteça”, destacou. 

Foram estabelecidos, de acordo com o Ministro, três pilares fundamentais nas negociações de um novo acordo em busca pela solução dos danos causados: “1. os valores das indenizações deveriam aumentar; 2. os valores pagos deveriam ter destinação adequada e justa e 3. a gestão dos recursos deve ser do estado e não dos governos”, citou.

A Ministra da Saúde, Nisia Trindade, destacou a condição de saúde das pessoas atingidas, ressaltando que a criação de um Fundo Perpétuo da Saúde indica que “os efeitos do desastre serão sentidos pelas próximas gerações”. A ministra também destacou que a saúde mental das pessoas atingidas merece atenção, ponto, até então, não abordado na fala de outros representantes presentes na cerimônia. Além disso, Nisia Trindade relembrou a obra de Carlos Drummond de Andrade, poeta que desde a década de 1980 já denunciava a mineração predatória da Vale:

“Esse foi o maior desastre ambiental do país. Quero lembrar Drummond, que foi o grande poeta a discutir e a vislumbrar e a nos prevenir com relação às possibilidades de desastres ambientais. Uma leitura necessária, se pensarmos como pensamos na saúde: na prevenção, e não só na mitigação e no reparo [...]. Acompanho esse processo desde antes e nós, na saúde, temos o compromisso com a linha do cuidado das pessoas, uma das diretrizes centrais, ao lado da proteção do ambiente [...]. Na saúde, temos a clareza de que os efeitos causados pela tragédia em Mariana serão sentidos por gerações”.

A Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, destacou os danos sofridos por indígenas e povos e comunidades tradicionais ao longo da Bacia do Rio Doce:  “Essas pessoas atingidas, as pessoas que perderam seus entes, precisam continuar a reconstruir suas vidas. Sabemos que nada paga essas vidas perdidas ou um rio contaminado ou todo um ambiente destruído, que são fundamentais para o exercício da cultura de um povo, da sua espiritualidade e dos modos de vida. Quero falar sobre o que representa esses rios vivos, o poder pescar, o poder gerar renda, o poder se alimentar de todos esses alimentos que vem desses rios e de como se exercita a cultura no nadas nesses rios. Nada paga essa destruição”. 

Em diversas falas, houve críticas à atuação da Renova. O Presidente Lula sinalizou a falta de transparência relacionada à Fundação, inclusive na utilização dos recursos que disseram ter gasto até o momento, 38 bilhões de reais. Além disso, na cerimônia, o Presidente do TRF da 6ª região, Vallisney de Souza Oliveira afirmou a necessidade de repensar a justiça brasileira: “A nossa justiça precisa melhorar em celeridade. Por que nós optamos por uma conciliação, quando isso já poderia ter sido resolvido pela justiça? Precisamos repensar nossa justiça”. 

 

Ausência de participação das pessoas atingidas nas negociações 

O “acordo possível” entregue neste dia 25 de outubro, como denominado pelos representantes presentes na cerimônia, ocorreu sem a participação das pessoas atingidas. A repactuação foi realizada em sigilo ao longo desses 1 ano e 10 meses. Diversas pessoas que acessaram a transmissão da cerimônia ao vivo, no YouTube, manifestaram indignação e afirmaram que não tiveram suas necessidades, angústias, desejos e expectativas ouvidos durante as negociações do novo acordo.

“Nós atingidos nunca fomos ouvidos”; “Boa tarde, sou professor de Regência, em Linhares, onde o Rio Doce deságua no mar. Aqui estão todos protestando”; “Acordo sem a participação dos interessados??? As portas fechadas???”; “Não foi acidente, foi CRIME CRIME CRIME”; “Esse dinheiro não vai chegar no atingido”; “Essa repactuação não representa as verdadeiras vítimas: os atingidos!”, foram algumas das manifestações feitas na plataforma durante a transmissão. 

A falta de participação das pessoas atingidas não foi denunciada somente na cerimônia da repactuação. Durante os espaços participativos realizados pela ATI Cáritas Diocesana de Itabira, as pessoas atingidas dos Territórios Rio Casca e Adjacências e Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento já expressavam insatisfação com a forma com que o processo vinha sendo conduzido. Na última quarta-feira (23), em reunião da ATI com as pessoas atingidas para tratar das informações sobre a repactuação repassadas em reunião com Governo Federal, ocorrida no dia 18 de outubro, as pessoas atingidas participantes manifestaram as angústias relacionadas à ausência nos espaços de construção do novo pacto:

“Nós não temos voz, nem vez, e nem podemos participar dessas reuniões. Como eles podem escolher o que nossas comunidades precisam, sendo que não são eles que estão vivendo nossas vidas? Eles não têm conhecimento do nosso sofrimento”, comentou Camila Siqueira, moradora atingida do município de Sem-Peixe. 

A ATI Cáritas Diocesana de Itabira irá estudar o texto do novo acordo para garantir o repasse de informações qualificadas e o assessoramento das pessoas atingidas nos Territórios 01 (Rio Casca e Adjacências) e 02 (Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento), a partir do entendimento do que está previsto na repactuação. Seguimos juntos e juntas na busca para que a reparação integral dos danos seja alcançada. 

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