Instituições de Justiça ajuizam Ação Civil Pública pela invisibilização dos danos causados às mulheres atingidas no processo de reparação

A Ação foi fundamentada a partir de diversos relatórios, recomendações e Notas Técnicas produzidas pelas ATIs que atuam na Bacia do Rio Doce

No dia 21 de junho, as Instituições de Justiça envolvidas no caso Samarco - Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) e Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) ajuizaram uma Ação Civil Pública contra a Fundação Renova, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton, com o objetivo de responsabilizar as empresas pelos danos ocasionados às mulheres atingidas no processo de reparação dos danos decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, ocorrido em 2015.

A Ação reconhece que, desde a fase inicial da entrada das pessoas atingidas nos programas de reparação, por meio dos cadastros, o processo reproduz e aprofunda violências de gênero nos territórios:  “desde o início das atividades de cadastramento, ocorreram violações dos direitos das mulheres atingidas pela adoção de metodologias inadequadas, invisibilização da força de trabalho e renda das mulheres atingidas em todos os territórios e recusa em adotar medidas efetivas para solucionar as contínuas denúncias e elementos técnicos que identificaram violações e obstaculização do acesso a direitos, seja sob uma perspectiva individual, como coletiva”. 

Entre os pedidos apresentados à Justiça, está o pagamento, pelas empresas rés no processo judicial e pela Fundação Renova, de indenização mínima de R$135.552,00 para cada mulher atingida, pelos danos materiais causados pela violação sistemática aos direitos humanos. Além de, pelo menos, R$ 36 mil pelos danos morais sofridos. Foi requerido, também, o pagamento de indenização de, pelo menos, R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos gerados, do quais uma parcela deste seja destinada especificamente à compensação de danos à saúde das mulheres atingidas, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).

Um dos pontos abordados nos relatórios em que a Ação Civil Pública se baseia é o fato de a Fundação Renova utilizar um modelo de família patriarcal, tendo a centralidade do homem como chefe de família. Dessa forma, as mulheres foram consideradas dependentes ou “ajudantes”, tendo sido desconsideradas sua autonomia e a importância de suas atividades econômicas.

De acordo com a Ação Civil Pública, foi constatada na aplicação dos cadastros realizados pela Fundação Renova, uma sobrerrepresentação de homens nas entrevistas realizadas para a aplicação dos cadastros; a falta de informações sobre as mulheres que fazem parte dos núcleos familiares; além da invisibilização com relação às atividades declaradas por essas mulheres, mesmo tendo apresentado documentações válidas

Muitas mulheres atingidas tiveram, portanto, o direito ao trabalho e à renda violados. Além da falta de reconhecimento de sua força produtiva, a Ação aponta que diversas mulheres atingidas denunciam que não conseguiram acesso aos programas de indenização, nem ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). Dessa forma, o documento da Ação Civil Pública aponta que o instrumento do cadastro, que deveria servir para a reparação dos danos causados, tem funcionado como uma forma de revitimização das mulheres atingidas.

A Fundação Renova, além disso, proíbe os dependentes inseridos no núcleo familiar cadastrado de alterarem suas informações no cadastro da pessoa titular. Assim, o problema das mulheres é ainda agravado, considerando que elas dependem da autorização do marido para realizarem qualquer tipo de alteração nas informações prestadas no cadastramento.

Nota Técnica produzida pela Cáritas Diocesana de Itabira

Entre os relatórios, recomendações e documentos que a Ação Civil Pública menciona, as Instituições de Justiça tiveram acesso às Notas Técnicas produzidas pelas Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que atuam nos territórios atingidos da Bacia do Rio Doce. 

Neste ano de 2024, a ATI prestada pela Cáritas Diocesana de Itabira encaminhou a Nota Técnica “Análise sobre os danos sofridos pelas mulheres atingidas em razão do rompimento da barragem de Fundão nos oito anos de espera pela reparação integral: desafios e recomendações”, que aborda questões relacionadas às diversas situações de invisibilidade e violências a que estão submetidas as mulheres dos Territórios 01 (Rio Casca e Adjacências) e 02 (Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento). 

O documento cita o agravamento dos efeitos do rompimento no processo de invisibilização das mulheres, o que contribuiu para o desencadeamento de novos danos identificados pela ATI, como: violências no campo do acesso à informação; dificuldades de acesso à representação jurídica; impossibilidade de acesso aos programas reparatórios; redução das mulheres à condição de dependentes, e outros.

Reivindicações da Ação Civil Pública

As Instituições de Justiça reivindicam que o Poder Judiciário corrija os erros cometidos até o momento, destacando “ações afirmativas com recortes de gênero”. A Ação Civil Pública destaca, ainda, a necessidade de se ter um olhar atento às interseccionalidades, especialmente em relação às mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais. 

As instituições que assinam a ação pedem que as empresas e a Fundação Renova promovam, emergencialmente, a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com solicitações de cadastro pendentes.

Além disso, solicitam o acesso imediato dessas mulheres que conseguiram ter seu cadastro efetivado junto a Fundação Renova, aos programas:  AFE, Programa de Indenização Mediada (PIM) e NOVEL. Reivindicam também outros quatro pontos principais, que são: 

  • Disponibilização de canais de atendimento adequados para acesso direto da mulher atingida, em todos os municípios atingidos atendidos, além do estabelecimento de postos de atendimento presenciais e itinerantes;
  • Realização de busca ativa em todos os municípios atingidos para identificar mulheres atingidas cadastradas que ainda não aderiram aos programas indenizatórios, bem como de mulheres atingidas que não conseguiram efetivar o cadastramento junto a Fundação Renova;
  • Proibição da adoção de comportamentos discriminatórios pela Fundação Renova e suas terceirizadas contra as mulheres atingidas no acesso às suas informações;
  • Possibilidade de alterações no Cadastro Integrado de forma direta, independente e autônoma.

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