“Eu só queria que a minha vida pudesse voltar pelo menos um pouco do que já foi, poder pescar e trazer alimento para casa sem precisar pedir a ninguém.” Aparecida Oliveira, moradora de Revés do Belém (Bom Jesus do Galho)
Há nove anos o mês de novembro tem sido um chamado à luta e à memória das pessoas que foram atingidas pelos rejeitos de minério despejados na Bacia do Rio Doce. Desde então, o dia 05 de novembro lembra que a vida em mais de 40 municípios de Minas Gerais ao Espírito Santo não é mais a mesma. A sirene que não tocou ecoa, hoje, na voz das diversas pessoas que perderam parte da sua identidade.
Tudo mudou. A relação com a terra, com os alimentos, com as águas e com o sagrado. A vida em comunidade, as partilhas e as expectativas em relação ao futuro. Os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão abriram feridas que ainda não foram cicatrizadas. A saudade do que era possível viver antes é latente. Para muitos, essa saudade tem sido a motivação na busca por uma reparação justa a todas as pessoas atingidas, porém são muitos os desafios impostos.
Silvio Martins, atingido, morador da Fazenda Pirraça (São pedro dos Ferros) comenta sobre a frustração da espera por respostas, “estamos há quase uma década esperando uma reparação concreta e nada foi feito pelos atingidos”. Para as pessoas que estão à frente da luta, além do tempo demandado para cada espaço participativo, existe, também, a expectativa que as pessoas atingidas possam ocupar seu espaço na construção de um processo justo: “Eles não querem a nossa participação e, daqui pra frente, isso é um grande desafio. É uma pressão feia em cima de nós, atingidos, e vamos lutar até o fim para que possamos ocupar nosso espaço”, destacou Felipe Godói, morador da Ponta do Tomazinho (Timóteo).
Clique aqui para assistir ao vídeo:
Dez dias antes de de completar 9 anos, foi assinado um novo acordo para a reparação dos danos causados pelo rompimento. Firmado, porém, sem a participação das pessoas atingidas, a Repactuação reflete essa ausência. Em diversas comunidades, as pessoas atingidas questionam a falta de escuta e de consideração no processo. A pergunta que fica, hoje, é: quanto tempo mais as pessoas atingidas terão que lutar para que a reparação integral seja alcançada para todas e todos?
A saudade da rotina antes do rompimento
“O que mais sinto saudade aqui da minha comunidade é dos visitantes, das pessoas que vinham na comunidade nos visitar, dos parentes, dos amigos, até mesmo das pessoas que a gente não conhecia e que vinham pra consumir do nosso peixe, pra fazer novas amizades. É disso que sinto saudade. A comunidade, hoje, tá vazia e triste.”
Maria de Fátima Neves – Lagoa das Palmeiras (São José do Goiabal)
“O que eu mais sinto saudade neste período do rompimento da barragem, há nove anos, é da liberdade que a gente tinha de sair, de divertir, saudade das nossas pescas no rio e na lagoa. Hoje nós só temos desilusão.”
Zé Durico (Pingo D´Água)
“Se tenho saudade de 9 anos atrás? Tenho, sim! De inúmeras coisas. A principal é a água limpa, pois tenho certeza de que ela não tem a mesma qualidade de antes. A certeza de boa qualidade de vida, já que a água é fundamental em nosso dia a dia. A vida de todos está em desalinho. As frutas não têm o mesmo desenvolvimento. Tenho saudade de comer um peixe sem me preocupar se está envenenado, saudade de quando acreditava que existia respeito dos governantes pois me pergunto, ‘onde anda o nosso direito?’ Saudade de não me preocupar com as gerações futuras, que poderão ser acometidas a várias doenças físicas e mentais”.
Natália Delfina Silva Rodrigues – Taquaril – Ilhéus do Prata (São Domingos do Prata)
“Sinto saudade da vida de antes, de quando aproveitávamos os fins de tarde como lazer, para encontro com famílias e amigos distantes. A gente sente saudade da vegetação que era bela e da natureza com a sua perfeição. A gente sente saudade dos peixes, das pescarias. A gente sente saudade de tudo que foi devastado pela lama”.
Arlene Soares – Fazenda Barra Mansa (Rio Casca)
“O que mais sinto falta é da tranquilidade e paz que tínhamos, podíamos respirar o ar puro e sentir a paz que ouvíamos no barulho das águas, tranquilidade de nos alimentar e alimentar nossa família. Hoje não podemos muita coisa e nossos direitos cada dia mais são menores a ponto de pensarmos se existiremos daqui uns tempos.”
Creusa Fernandes – Revés do Belém (Bom Jesus do Galho)
A data nos lembra não apenas os nove anos do rompimento, mas a coragem, resiliência e a determinação das pessoas atingidas que seguem lutando por seus direitos e de suas comunidades. Relembra também os momentos de encontros e partilhas que nascem em meio às dificuldades, fortalecendo os laços de uma coletividade que não se deixou enfraquecer, mesmo diante da dor e das perdas provocadas pelo rompimento.