Oficinas de Participação Comunitária (OPCs) acontecem nas comunidades quilombolas de Bateeiro e Serra, em São Domingos do Prata

No mês de abril, a Cáritas Diocesana de Itabira, no processo de assessoramento técnico aos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão realizou duas rodadas de Oficinas de Participação Comunitária (OPCs). Desta vez, nas comunidades quilombolas de Bateeiro e Serra, localizadas em São Domingos do Prata, município pertencente ao Território de Rio Casca e Adjacências. 

As Oficinas têm o objetivo de levantar a história, as tradições e os elementos que compõem o cotidiano das comunidades, assim como entender melhor qual o atual retrato da realidade das comunidades após o rompimento da barragem de Fundão.  

Há seis anos, a comunidade de Serra foi reconhecida formalmente como comunidade tradicional quilombola. “O processo foi demorado, não foi de um dia para o outro. A comunidade teve que levantar muitas provas e reunir as pessoas antigas para colher informações por meio das histórias”, comenta Cintia Sartori, moradora de Serra. Essa é uma luta que a comunidade de Bateeiro enfrenta até hoje, pois, de acordo com referência comunitária, já foi realizado o pedido de certificação à Fundação Cultural Palmares, mas ainda não há reconhecimento oficial como Comunidade Remanescente de Quilombo. 

Foto: Marcelo Rolim / Cáritas Diocesana de Itabira
Foto: Marcelo Rolim / Cáritas Diocesana de Itabira

De acordo com Marileide Porto, Assessora Técnica da Equipe Jurídica de Reparação da ATI, além de assegurarem um espaço participativo e o protagonismo das pessoas da comunidades, as Oficinas de Participação Comunitária realizadas junto aos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), “foram realizadas a partir de uma escuta qualificada, que reconhece e respeita os elementos de tradicionalidades, a identidade cultural e o sentimento de pertencimento que cada pessoa possui com a comunidade em que vive. A partir dessas falas, a Assessoria Técnica Independente consegue obter informações sobre os modos de vida, crenças e saberes, as práticas e tradições, a história da comunidade e sua relação com o território, já que a natureza e extensão dos danos sofridos nas comunidades tradicionais possuem particularidades distintas”.

Histórias da terra 

No início das Oficinas, a equipe da ATI convidou os (as) participantes a compartilharem materiais que simbolizam suas memórias sobre a vida nas comunidades. Diversos elementos foram lembrados, como: as plantações de amendoim, milho, feijão e banana; o bordado em panos de prato; o óleo de mamona usado para curar umbigo das crianças; o costume de enterrar os umbigos dos recém-nascidos na comunidade; samambaia refogada; a capoeira; o anzol para a pesca; e outros. 

Foto: Pedro Henrique Caldas / Cáritas Diocesana de Itabira
Foto: Pedro Henrique Caldas / Cáritas Diocesana de Itabira

Além disso, moradores(as) lembraram das festas tradicionais que acontecem nas comunidades e de outras celebrações que, ao longo do tempo, têm sido esvaziadas. Em Bateeiro, é celebrada a festa Nossa Senhora do Rosário. As pessoas contaram que a comunidade já deu entrada no processo de reconhecimento da igreja como patrimônio cultural. Lá, também afirmam  que existia o grupo de Congado. 

Já em Serra, acontece o levantamento da bandeira de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da comunidade. Os moradores da comunidade também relembram do batuque tradicional, em que havia dança de roda e muita festa. Esta tradição, porém, deixou de acontecer da forma rotineira como antes. “Os mais velhos, também os responsáveis pelos festejos, foram embora. E as pessoas tiveram que sair para trabalhar, pois não estava dando certo para algumas pessoas o trabalho aqui. As pessoas acabaram se distanciando. Antes do rompimento tinha muito café e o povo trabalhava, mas as coisas foram acabando e quem não tinha o que produzir, foi necessário buscar uma outra renda”, comenta Roseli Moreira, moradora de Serra.

Culturas rompidas

Nesses encontros, ambas as comunidades  relataram as mudanças sentidas no cotidiano nos últimos oito anos. Atividades rotineiras que faziam parte dos costumes, do lazer e da economia local não são mais as mesmas. 

Adailton dos Santos, morador de Bateeiro, afirmou que os problemas vivenciados nas comunidades, hoje, “tiveram influência do rompimento da barragem, sim. Igual a Amazônia, que o desmatamento influencia diversos biomas ao redor e os reflexos chegam até nós sem que seja possível perceber. O rompimento influenciou nos rios e lagos ao redor. A tendência é acabar com os rios e as plantações próximas. Antigamente havia confiança no que a gente produzia e, hoje, não sabemos a qualidade dos produtos plantados”.

As questões mais frequentes apresentadas pelas pessoas atingidas durante as oficinas foram:

  • Qualidade da água e do solo: as mudanças ambientais afetaram diretamente a vida das pessoas na região. As preocupações com relação à quantidade e à qualidade da água foram apresentadas nas duas oficinas. Há relatos, também, do aumento das enchentes após o rompimento;
  • Fonte de renda: os alimentos que antes eram cultivados nas comunidades não crescem como antes. Por conta da contaminação do solo, as pessoas atingidas também não confiam na qualidade dos produtos. Os peixes também não se desenvolvem e a pesca foi prejudicada;
  • Dificuldade de comunicação: a falta de acesso a informações sobre o processo de reparação foi uma queixa constante.

Além disso,  também reclamaram que a Fundação Renova nunca esteve presente nas comunidades e não realizou o cadastro para compreender a realidade local. Assim, mais uma vez afirmam ser invisibilizados no processo de reparação dos danos causados em razão do rompimento da barragem de Fundão. 

Quer saber mais? Relembre as Oficinas que aconteceram nas comunidades quilombolas de Areião e Surrão.

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