Comissões Locais Territoriais de Atingidos(as) e ATI realizam reunião com Ouvidoria da Fundação Renova

Reunião aconteceu após as Comissões Locais Territoriais de Atingidos(as) e a Assessoria Técnica Independente prestada pela Cáritas Diocesana de Itabira solicitarem, por meio de ofício, reunião para dialogar sobre demandas dos territórios e dados sobre repasses financeiros, cadastros e sistemas indenizatórios nos Territórios 01 e 02.

Na noite da última sexta-feira (30), membros das Comissões Locais Territoriais de Atingidos(as) dos Territórios 01 (Rio Casca e Adjacências) e 02 (Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento) participaram de uma reunião presencial com o  Ouvidor Geral da Fundação Renova, Pedro Strozenberg, a analista da Ouvidoria, Lidiany Guimarães, e membros das equipes de diálogo da Fundação. 

O encontro teve como objetivo dialogar demandas dos territórios sobre análise das águas de afluentes do Rio Doce e lagoas utilizadas pelas pessoas atingidas; situação dos processos Indenizatórios; questionar sobre dados oficiais da Fundação relativos ao cadastramento; acesso aos Sistemas Indenizatórios (PIM, Novel e Auxílio Financeiro Emergencial (AFE); repasses de verbas às prefeituras municipais do processo da reparação; entre outros. 

Durante o espaço, as comunidades evidenciaram a dificuldade de acesso a informações e, sobretudo, a demora em obter respostas sobre o processo de reparação. “A Renova demora um ano para responder, para dar uma resposta, pode isso?”, questiona Camila Siqueira, de Sem Peixe. Além disso, foi pontuado, por diversas vezes, a invisibilidade ao longo desses quase 09 anos dos 13 municípios atingidos.

“A concretude dessa solicitação de reunião feita pelas comissões com o apoio da ATI é de extrema importância para essas pessoas atingidas que esperaram muito por este momento.  Na reunião, puderam apresentar suas principais demandas, dúvidas e reclamações tendo em vista a falta de informações qualificadas, bem como a longa espera na maioria das vezes por algum retorno ou respostas constantemente solicitadas à Fundação Renova. É burocrático demais todo o processo de reparação que as pessoas atingidas vem enfrentando ao longo de todos esses anos.”, destaca Geisiane Lima, Coordenadora Geral da ATI Cáritas Diocesana de Itabira. 

Pedro Strozenberg, Ouvidor Geral da Fundação Renova, reconhece que a espera por informação é um desafio enfrentado. “Há uma relação desigual e, é uma realidade que a gente vive. Muita coisa tem prazos específicos, mas nesse caso, a demora muitas vezes é exagerada. Esse é um dos maiores problemas da reparação: é uma reparação demorada, incompleta, insuficiente, desigual e que tem muitas lacunas e desafios: transparência, informação de qualidade, pública e acessível. A gente percebe que tem uma informação dispersa e que ela acontece justamente porque você não tem informação organizada disponível. É um grande desafio: a disponibilidade dos laudos sobre a gestão da água, a disponibilidade das matrizes de danos, dos recursos, das transferências dos recursos. Aqui dois pontos se destacaram, tanto o controle/monitoramento da água quanto os gastos.”

Juventina Avelina, atingida de Marliéria, pontuou também que nem todas as pessoas atingidas tiveram acesso ao cadastro e que seria importante que todos(as) fossem incluídos. “No meu ponto de vista, esses cadastros deveriam ser feitos depois da chegada das ATIs, depois de eles conversarem conosco. Foi muito mal feito, chegaram os advogados e aqueles que não tinham conhecimento, não se cadastraram por medo. O direito deles, infelizmente, está sendo encoberto. É importante incluir todos.”

Também, Marlene Matos, atingida da comunidade de Celeste, em Marliéria, ressaltou que as mulheres foram invisibilizadas no processo de cadastramento realizado pela Renova. “Sou produtora rural, a minha associação é de 100% mulheres e, dentro de quem está recebendo, nenhuma é essas mulheres. A Vale cometeu o crime duas vezes [na minha vida], o primeiro foi quando a minha mãe foi morta na linha do trem, na época a vale indenizava e minha família não foi. O Primeiro crime: cortou a renda. Depois, a gente tirava a renda da horta, e foi cortada de novo. As mulheres tiveram que voltar a ser diaristas. Esse ano a gente não teve nem coragem de plantar, porque a terra não produz. Nenhuma dessas mulheres recebeu nada.”

A preocupação com relação à vida e à garantia de acesso ao mercado de trabalho para jovens e adolescentes também foi pontuada na reunião. “Quero falar sobre aqueles adolescentes que foram inseridos no cadastro dos pais e que hoje já não são mais adolescentes. São jovens, pais e mães. O rio, contudo, continua prejudicado, poluído. Essas pessoas estão indignadas, pois não saíram da comunidade e sofrem dificuldade, já que não conseguem mais pescar, trabalhar ou desenvolver alguma atividade de renda relacionada direta ou indiretamente do rio”, afirmou Maria de Fátima, atingida de São José do Goiabal. 

Além das demandas apontadas, as comunidades pautaram ainda dúvidas sobre a qualidade da água para o consumo humano; ausência de informação sobre a qualidade e a necessidade de realização de estudos técnicos das águas dos afluentes e demais corpos d’água nestes territórios; a situação da pesca e dos(as) pescadores(as) nas lagoas e afluentes localizados na área de influência do Parque Estadual do Rio Doce; doenças de pele como coceira e manchas. 

Os(as) moradores(as) presentes também comentaram sobre a importância cultural do rio e seus afluentes. Do lazer e das práticas de subsistência que as águas do Doce garantiam à população atingida antes do rompimento e que foram perdidas. 

“O lazer que eu tinha era pra ir pro rio e pescar, hoje eu não tenho mais. Como faz? Eu posso pagar pelo erro de uma empresa?” – Aparecida Calazans, atingida de Pingo D’Água. 

Foto: Tainara Torres/Cáritas Diocesana de Itabira

O que cabe à Fundação Renova? 

Embora seja criada para reparar os danos sofridos pelas comunidades atingidas, são inúmeras as críticas feitas à forma de atuação da Fundação Renova e à morosidade na reparação das populações atingidas.

Cabe à Ouvidoria da Fundação Renova apresentar internamente as crescentes manifestações demonstradas pelas pessoas atingidas sobre o método ineficiente usado pela Renova até os dias atuais. Por isso, a Ouvidoria tem o dever de monitorar as manifestações, para que a forma de implementação das mesmas possam ser aprimoradas.  

“O nível de exigência de documentação tão formal infelizmente é o modelo de reparação vivenciado há 9 anos. Poderia e deveria ser diferente? Sim. É responsabilidade da Renova? Sim. Ela poderia ser menos burocratizada? Sim, mas foi o desenho feito”, destaca Pedro Strozenberg.

Dentre as principais reivindicações das pessoas atingidas, o repasse de recursos às prefeituras municipais e a falta de transparência também resultam em uma maior dificuldade para quem busca, constantemente, pela garantia de direitos. 

Silvio Martins, atingido da Fazenda Pirraça, em São Pedro dos Ferros, questiona: “por que a Renova libera pagamento para o município, às comissões de atingidos chamam o município para conversar, e eles não dão resposta? Deveria haver uma forma de punir os municípios que não prestam contas.”

“Hoje foi fundamental por duas combinações: primeiro por estar próximo das pessoas do território. Essa reparação carece muito de ter essa identidade com esse território atingido com as suas especificidades e com as suas características. Estar aqui com as pessoas atingidas faz muita diferença, a sabedoria, as histórias, a percepção precisam ser levadas em conta no processo de reparação. O segundo ponto é essa representatividade hoje, com comissões estabelecidas, formalizadas com apoio da assessoria técnica, capazes de ocuparem lugares da governança. Foi um bom espaço para discutir a reparação e não os casos individualizados. Isso pra gente faz muita diferença e para a ouvidoria esse é um caminho de construir efetivamente uma reparação plena e participativa, que é o desafio principal que a gente tem. É minha responsabilidade levar para lá e fortalecer tanto o portal da transparência, a forma de prestação de contas e disponibilizá-la para que ela chegue no território que é uma comunicação acessível, clara e enraizada. Esse é um desafio que a gente assume aqui hoje”, finaliza o Ouvidor Geral. 

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