Em ofício ao MPF, lideranças denunciam sentimento de impunidade gerado pela decisão judicial e pedem atuação do MPF para solicitar revisão nos tribunais superiores
Os membros da Articulação das Câmaras Regionais, eleitos pelas Comissões Locais Territoriais consolidadas da Bacia do Rio Doce protocolaram, no dia 19 de novembro de 2024, no Ministério Público Federal (MPF), um ofício de manifestação de repúdio à absolvição das empresas Samarco, Vale e BHP e seus representantes no caso do rompimento da barragem de Fundão.
No último dia 14, a Justiça Federal proferiu uma sentença absolvendo as mineradoras, bem como as pessoas físicas que ocupavam cargos de diretoria, gerência e no conselho de administração da Samarco, acusadas no processo criminal referente ao desastre socioambiental, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, em Mariana (MG) e que atingiu toda a Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba.
A decisão foi proferida pela juíza federal substituta Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, após um longo e complexo processo judicial iniciado em 2016. A magistrada destacou, em sua análise, que a responsabilidade penal não pode ser aplicada em um cenário de incertezas técnicas e falta de comprovações objetivas.
No ofício, a Articulação das Câmaras Regionais afirma que tal entendimento da juíza ignora os fatos e o anseio de milhares de pessoas atingidas, que reivindicam há anos por justiça e o reconhecimento da responsabilidade criminal dos responsáveis por uma das maiores tragédias socioambientais da história do país.
“Embora a magistrada tenha declarado solidariedade às vítimas, tal declaração não compensa a sensação de impunidade gerada pela absolvição. É inadmissível que, após anos de investigação, a justiça conclua que não há como individualizar condutas determinantes no rompimento da barragem. Essa decisão fere o direito à justiça das vítimas e reforça o sentimento de descrédito do Poder Judiciário Brasileiro”, destaca o documento.
As lideranças atingidas solicitam, ao final do ofício, que o MPF manifeste-se contrariamente à decisão de absolvição e adote medidas legais cabíveis e recorra aos tribunais para buscar reverter esse entendimento. “A responsabilização criminal é essencial não apenas para honrar a memória das 19 vidas perdidas e das incontáveis comunidades atingidas, mas também para prevenir a repetição de tragédias como essa”, finaliza o documento.
Entenda
O processo criminal, movido pelo MPF, dividiu as acusações em dois grupos principais:
- Conjunto de Fatos 1: Tratava dos crimes diretamente relacionados ao rompimento da barragem, incluindo 19 mortes, lesões corporais, crimes ambientais e desabamentos. A acusação apontava que as empresas Samarco, Vale, BHP e seus dirigentes haviam agido com negligência ao operar a barragem de Fundão, criando um cenário de riscos inaceitáveis para maximizar lucros.
- Conjunto de Fatos 2: Envolvia crimes contra a administração ambiental, como apresentação de uma Declaração de Estabilidade considerada falsa e a omissão em relatar o direcionamento de rejeitos da Usina Alegria da Vale para a barragem.
O MPF argumentava que os réus estavam cientes dos riscos iminentes e omitiram-se quando deveriam agir, contribuindo para a catástrofe.
A sentença da Justiça Federal concluiu que a operação da barragem seguia padrões de segurança exigidos na época e que não houve a criação ou agravamento de um risco proibido. A juíza analisou a responsabilidade dos réus sob a perspectiva do que se sabia antes do rompimento, rejeitando a ideia de que o desastre poderia ser previsto com base nos relatórios técnicos disponíveis.
Com base nesses e outros argumentos, a juíza decidiu pela absolvição de todos os réus, afastando qualquer possibilidade de aplicação de penas criminais. No entanto, destacou que a responsabilização das empresas no campo do Direito Civil e Administrativo permanece em vigor.
Ou seja, embora a decisão absolva as empresas e seus executivos de responsabilidade criminal, não altera o Acordo da Repactuação, firmado em 25 de outubro de 2024, entre o Governo Federal, governos estaduais de Minas Gerais, Instituições de Justiça e as mineradoras, no valor de R$ 170 bilhões.