As comunidades quilombolas dos Territórios de Rio Casca e Adjacências e do Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento seguem lutando, também, pelo direito de acesso às políticas públicas específicas e às medidas de reparação previstas no Acordo de Repactuação
Representantes das comunidades quilombolas assessoradas pela ATI prestada pela Cáritas Diocesana de Itabira participaram, no último dia 18, de uma reunião virtual com a Fundação Cultural Palmares (FCP), órgão do Ministério da Cultura que é responsável pela emissão de certificação de reconhecimento de autoatribuição quilombola.
O objetivo do encontro foi sanar dúvidas a respeito do processo de certificação e da regularização fundiária das comunidades quilombolas, como também sobre a atuação da Fundação Palmares no processo de Reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
Participaram da reunião representantes da Fundação Cultural Palmares, da Assessoria Técnica Independente (ATI) prestada pela Cáritas Diocesana de Itabira, além das pessoas atingidas das comunidades Quilombo da Serra; Quilombo do Surrão; Quilombo do Areião Quilombo Fazenda do Pena, Quilombo Barro Preto e Quilombo Mumbaça todos de São Domingos do Prata; Quilombo Córrego do Celeste, de Marliéria, além de representantes da Associação dos Quilombos e Grupos Afro-Brasileiros do Município de São Domingos do Prata (AQUISDOPRATA).
Atualmente, a ATI Cáritas Diocesana de Itabira acompanha, nos Territórios de Rio Casca e Adjacências (Território 01) e do Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento (Território 02), 11 comunidades quilombolas, sendo que 06 delas já são certificadas pela FCP (Surrão, Areião, Serra e Bateeiro – São Domingos do Prata; Grota dos Bernardos – Raul Soares; e Brejal – São Pedro dos Ferros). No entanto, sequer as comunidades atingidas certificadas, localizadas nos municípios reconhecidos pelo Acordo de Repactuação, foram incluídas como atingidas no Anexo 3 deste Acordo. Assim, tiveram seus direitos negados e seguem distantes das medidas de reparação previstas para os Povos e Comunidades Tradicionais.
Entenda mais sobre as funções desempenhadas pela Fundação Cultural Palmares
A Fundação Cultural Palmares tem como sua atribuição principal a proteção e preservação do patrimônio cultural afrobrasileiro e seus processos de certificação de comunidades quilombolas, respeitando os princípios de auto atribuição dos povos, conforme a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Contudo, as políticas públicas específicas voltadas às comunidades quilombolas são geridas por outros órgãos governamentais, especialmente o Ministério da Igualdade Racial.
“A Fundação Cultural Palmares tem a competência de emitir a certidão de reconhecimento de autoatribuição das comunidades quilombolas e de fazer esse registro no cadastro geral de comunidades certificadas. É um processo simples, mas também muito dificultoso devido às condições de acesso e de informação das comunidades quilombolas”, explicou Edi Freitas, responsável pelo Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro (DPA) na Fundação Palmares.
Certificação e regularização fundiária dos territórios quilombolas
Para que as comunidades tenham a emissão do certificado de reconhecimento de autoatribuição e o registro como quilombola é necessário o encaminhamento de três documentos à Fundação Cultural Palmares para que iniciar o processo de certificação, sendo:
- Ata de autorreconhecimento, que registra a realização de reunião pela comunidade em que se discute a autoatribuição. Em casos de comunidades com associação, pode ser realizada por esta ou, no caso de comunidades sem associação, pode ser realizada pelo coletivo, devendo a ata ser aprovada pela maioria dos membros da comunidade.;
- Um histórico que deve relatar o processo de organização, a cultura, o tempo de localização e de permanência no território;
- Um formulário de apresentação formal do pedido de certificação. Toda documentação deve ser enviada à Fundação Palmares por meio do “Protocolo GOV.BR”, que é o sistema de correio oficial do governo federal.
Já os processos de regularização fundiária dos territórios quilombolas são realizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que inicia o processo após a apresentação, pela comunidade, do certificado de reconhecimento emitido pela Fundação Palmares. A partir do pedido a ser feito pela própria comunidade, o Incra elabora relatório técnico de identificação e delimitação (RTID) e diagnóstico socioeconômico da comunidade.
Comunidades quilombolas atingidas cobram reconhecimento e acesso às medidas de reparação previstas no Acordo de Repactuação
A FCP acompanha o processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão às comunidades quilombolas. Porém, a instituição não foi incluída no Acordo de Repactuação entre os órgãos de governo com atribuições no processo de reparação. Antes da Repactuação, a FCP acompanhou o processo de Reparação por meio do Comitê Interfederativo (CIF).
Apenas as seguintes comunidades quilombolas certificadas foram reconhecidas como atingidas pelo Acordo de Repactuação: Santa Efigênia (MG), Sapê do Norte (ES), Degredo (ES) e Povoação (ES), o que gerou muitos questionamentos por parte das demais comunidades, entre elas as 6 comunidades quilombolas certificadas dos Territórios 01 e 02 (Areião, Surrão, Serra, Bateeiro, Grota dos Bernardos e Brejal), mas que não foram reconhecidas enquanto atingidas.
“Hoje a gente tem um Acordo de Repactuação que reconhece um número reduzido de comunidades indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais. É como se em toda a Bacia do Rio Doce tivesse apenas essas comunidades, o que é algo estarrecedor, sendo que somente nos municípios em que nós atuamos (Territórios 01 e 02) temos 6 comunidades quilombolas certificadas”, lembrou, durante a reunião, Ana Carolina Campos, da Gerência Jurídica de Reparação na ATI Cáritas Diocesana de Itabira, que também questionou se houve um levantamento prévio das comunidades quilombolas na Bacia do Rio Doce, antes da Repactuação.
“As comunidades daqui [São Domingos do Prata] identificaram que não estavam sendo respeitadas, dentro desse processo [da Reparação] enquanto comunidades tradicionais. […] Nunca nós ficamos sabendo do processo da Renova, somente depois da certificação é que ficamos sabendo. Então é como se tivessem violado os nossos direitos”, disse Joaquim José Oliveira (Quinha), coordenador da associação AQUISDOPRATA.
A Fundação Cultural Palmares também informou na reunião que apresentou pedido para que todas as comunidades fossem reconhecidas como atingidas por meio de uma consulta prévia, mas a solicitação não foi acatada pelos órgãos responsáveis pelo Acordo de Repactuação. Além disso, informaram também que a Fundação Palmares não está sendo convidada para participar dos debates sobre a Repactuação, pois não possui responsabilidades previstas no Acordo.
“As ações que poderemos realizar futuramente dependem das diretrizes que o governo federal vai publicar, referente ao Acordo de Repactuação. Então, enquanto não soubermos como serão as diretrizes, estamos de mãos atadas, pois não sabemos como será a captação dos recursos, quem poderá captar, se será a comunidade diretamente ou será uma assessoria técnica representando a comunidade para captar esses recursos. Infelizmente, a Fundação Palmares não está sendo convidada para participar desses debates desde a assinatura desse Acordo [Repactuação]”, explicou Ademilton Sá, representante da FCP.
Nesse sentido, ao final da reunião, a ATI assumiu o compromisso de encaminhar um pedido formal à presidência da Fundação Palmares para que ocorra o acompanhamento do processo de reparação, com diálogo permanente com as comunidades quilombolas dos Territórios 01 e 02, conforme solicitação das pessoas atingidas.
Além disso, no mês passado, a ATI encaminhou um ofício ao Ministério Público de Minas Gerais e ao Ministério Público Federal no qual informa sobre a situação da comunidades tradicionais dos Territórios de Rio Casca e Adjacências e do Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, com diagnóstico levantado por meio de diversas atividades participativas em cada uma das localidades. A assessoria técnica também seguirá acompanhando as comunidades no processo de busca pela certificação quilombola e pelo reconhecimento enquanto comunidades atingidas.